A flexibilidade do cérebro está no auge nos primeiros anos de vida e os pais podem estimular ao máximo as capacidades dos filhos com jogos, exercícios, técnicas e até linguagem gestual. De igual forma, o projeto “Dream Makers” pretende melhorar as aptidões de crianças pequenas.
O cérebro humano cresce aproximadamente 80%nos primeiros três anos de vida, que são considerados por vários especialistas como os mais importantes para estimular o potencial infantil. Durante esse tempo, surgem inúmeras oportunidades que os pais podem aproveitar, se as conhecerem, também classificadas de «janelas críticas».
De acordo com a especialista Lise Elliot, catedrática de neurociência na Chicago Medical School, nos Estados Unidos da América, «todos os aperfeiçoamentos essenciais nas ligações cerebrais podem ser influenciados pela experiência infantil. Mas, quando uma região cerebral concreta ultrapassou a fase do aperfeiçoamento, o seu período crítico acabou e a oportunidade de voltar a fazer ligações é muito limitada», alerta.
Assim, e sabendo que o cérebro de uma criança se desenvolve e cresce com tudo o que ela vê, sente, experimenta, cheira e ouve, cada vez que esta usa um dos sentidos, uma conexão neurológica é feita no seu cérebro. Dessa feita, novas experiências, repetidas muitas vezes, ajudam a fazer novas conexões, que moldam a maneira como acriança pensa, sente, comporta-se e aprende, agora e no futuro.
Nesse sentido, a pesquisa em torno do desenvolvimento precoce preconiza que é possível aumentar o potencial dos bebés, nos seus primeiros três anos devida, através de jogos, exercícios, técnicas, atividades e outros recursos, como a linguagem gestual. Defende ainda a importância de uma relação estreita entre a criança e o cuidador, sugerindo que, quando um cuidador brinca com o bebé, faz-lhe uma massagem, canta, fala ou conta-lhe uma história e nutre-o com amor e carinho, fortalece os laços afetivos e a estimulação será mais completa.
«Janelas de oportunidade»
Um bebé bem estimulado aproveitará a sua capacidade de aprendizagem e de adaptação ao meio, de uma forma mais simples, rápida e intensa, numa técnica que poderá ser adotada praticamente «desde que a criança nasce», conforme refere Margarida Dias Pocinho ao JM.
Esta professora e investigadora em Psicologia da Educação na Universidade da Madeira aponta que as «janelas de oportunidade» são até aos três anos de idade, depois até aos seis e, finalmente, até aos 11. Isso porque, de acordo com os especialistas, a flexibilidade do cérebro vai diminuindo com a idade e, depois dos 11anos, a criança continua a aprender, mas não ao mesmo ritmo e com todo o potencial de antes. «São janelas de oportunidade que, se nós as deixarmos passar, é impossível voltar atrás», diz, contrapondo a ideia generalizada de que há sempre tempo para aprendermos seja o que for. Conforme explica a docente, «quando a criança nasce vem com uma estrutura cerebral como uma esponja e quer absorver todos os estímulos». Exemplo disso será ao nível da aprendizagem de uma língua estrangeira: «quanto mais cedo a criança tiver contacto, não só com a sua língua materna, mas com outra língua, mais o seu cérebro fica flexível e muito mais facilmente aprende uma segunda língua», frisa
Nessa linha de pensamento, Margarida Dias Pocinho é da opinião que «se podemos desenvolver uma linguagem muito cedo, até ao ponto de aprender-mos uma segunda língua tal qual como aprendemos a língua materna, então porque é que não desenvolvemos a inteligência musical? Porque não expor a criança a vários estilos de música, como a música clássica, logo desde cedo», questiona.
De igual forma, a investigadora acredita nos benefícios de colocar os filhos, «desde cedo, em contacto com a natureza, para descobrirem os vários tipos de vegetação, para se interessarem pela natureza. E dilemas e problemas matemáticos, em puzzles, para que a criança desenvolva também esta parte matemática», propõe.
EXPLORAR INTERESSES
«Eu aconselho pais que têm crianças muito indecisas a explorarem uma modalidade desportiva. Se não gostar, podem experimentar um instrumento musical, os pais devem fazer várias experiências», refere. Outra forma de tentar perceber os interesses dos filhos é «nas brincadeiras de “faz de conta”, que As crianças devem experimentar desportos, instrumentos musicais e outras atividades até encontrarem uma que lhes agrade. são até mais ou menos aos 10, 11anos. Isso porque eles acabam por projetar, nessas brincadeiras, aquilo que sabem, aquilo que gostam mesmo», destaca.
Por outro lado, a nossa entrevistada é perentória noutra questão: «há que evitar a todo o custo que as crianças pequeninas estejam à frente de uma televisão, de um computador, passivamente. Os pais, se quiserem que as crianças vejam um programa de televisão, devem acompanhá-las e falar sobre o que estão a ver», realça.
«É preciso este acompanhamento», acrescenta, «porque a nossa infância é o que nos fica como base, como raiz de toda a nossa personalidade, de toda a nossa motivação, de toda a nossa criatividade e até de um certo otimismo perante o mundo».
Margarida Dias Pocinho sustenta mesmo que «investir na infância é investir na vida. Se investirmos na infância temos um 1.º ciclo resolvido, uma adolescência muito melhor e um adulto muito mais equilibrado», sublinha.
“DREAM MAKERS”
Margarida Dias Pocinho acredita na importância de investir no potencial infantil, que, como insiste, tem um prazo limite,© DR dando ferramentas aos mais jovens, para que cresçam com melhores capacidades.
O projeto “Dream Makers” tem igual propósito, tendo na investigadora a porta-voz portuguesa desta iniciativa, que engloba Portugal, Espanha e a Polónia, e é financiada pelo Programa Erasmus + da União Europeia. Estando ainda numa fase muito inicial, dado que arrancou em setembro último, «o projeto visa trazer uma nova metodologia educacional para crianças carenciadas, dos quatro aos seis anos de idade, reunindo diferentes campos de conhecimento, nomeadamente a criatividade, inteligências múltiplas e tecnologia 3D».
Tendo igualmente como preocupação desenvolver o bilinguismo, a proposta parte da premissa de que «concentrando-nos no desenvolvimento de capacidades infantis internas, podemos ajudá-las a ganhar habilidades para lidar com dificuldades atuais e futuras», pode ler-se, na descrição deste projeto. Dessa forma, «reunindo esses diferentes conceitos e promovendo o uso da tecnologia, estaremos a fornecer-lhes as ferramentas para sobreviver e para melhorar a sua perspectiva do futuro».
A nossa interlocutora adiantou-nos que realizaram, na semana passada, a primeira reunião transnacional - com a Polónia e a Espanha - e que ainda terão que fazer vários contactos para saber se «é possível e viável tudo aquilo que temos conceptualizado». «Se tudo correr bem e tivermos as condições para avançar, teremos os primeiros resultados, em princípio, em maio», revela.
INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS
O projeto “Dream Makers” tem como objetivo melhorar as aptidões de criatividade em crianças de quatro a seis anos, usando a tecnologia 3D e a Teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner. Relativamente a esta última, foi uma teoria desenvolvida a partir da década de 1980 por uma equipa de investigadores da Universidade de Harvard, liderada pelo psicólogo Howard Gardner, tendo como propósito analisar e descrever melhor o conceito de inteligência.
A pesquisa identificou oito inteligências: a linguística; a musical; a lógica/matemática; a visual/espacial; a corporal/cinestésica; a interpessoal; a intrapessoal e a naturalista.
«Elas praticamente nascem com todas as inteligências, depois umas são mais desenvolvidas, outras são menos», argumenta Margarida Dias Pocinho, complementando que a ideia «é aproveitar estas inteligências de modo a que possamos torná-las mais criativas, através de um projeto que tem como objetivo os meninos e meninas construírem pequenos projetos, pequenos esboços e imprimi-los em 3D».
O facto de o público-alvo serem crianças desfavorecidas foi esclarecido pela porta-voz. «Estas crianças são escolhidas porque a União Europeia, neste momento, está muito preocupada com a pobreza, com a discriminação, com a questão dos refugiados e, no fundo, está a pedir um pouco aos investigadores que estudem maneiras dessas crianças, o mais precocemente possível, verem a vida de uma forma criativa e perceberem que podem mudar a sua vida, se forem criativos, se usarem as suas inteligências».
«Este projeto vai buscar as teorias todas que estão estudadas há muitos anos, em Portugal não tanto, mas principalmente nos EUA. Na Europa já começámos há uns anos, mas não há assim muita investigação de ponta», ressalva.
“O objetivo é criar nessas crianças um interesse pelo futuro, um sentido de que elas próprias podem construir projetos, podem imaginar casas do futuro ou inventar novos instrumentos nas suas cabecinhas. Depois têm o “software” e imprimem o instrumento em 3D»,especifica.
ENSINO EM CONSONÂNCIA
O ensino em Portugal e na maioria dos países também vai ao encontro das «janelas de oportunidade» - aos três, seis e 11 anos de idade - diz a professora em Psicologia da Educação. «Até aos três anos é a valência creche, dos três aos seis já é a valência jardim-de-infância e dos seis aos 11, 12 é a valência do 1.º ciclo», indica. E Margarida Dias Pocinho insiste nesta idade, ainda que ressalve que «11, 12,porque só em Portugal é que vai até aos 10, já que, no resto do mundo, o 1.º ciclo são seis anos. Dos 6 aos 11, 12», esclarece.
«Depois aos 11 anos é outra altura, em que a criança vai entrar num período mais abstrato, mais formal, mais lógico», remata.
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Projeto premeia uma aprendizagem que valoriza as inteligências múltiplas de Gardner
Aprender enquanto se brinca no Gymboree do Funchal
O tema do desenvolvimento precoce ainda é pouco conhecido na Madeira, mas já é desenvolvido pelo programa de aprendizagem do Gymboree há 40 anos, e, na Região, há cinco. Roberto Macedo Alves dirige este centro no Funchal e destaca, ao JM, que «no Gymboree sabemos que as relações e as experiências que ocorrem nos primeiros anos de vida têm um grande impacto no futuro da criança. É, assim, fundamental que os pais e cuidadores promovam o desenvolvimento da criança durante esta fase», afiança.
Dessa forma, assegura que «o programa de aprendizagem do Gymbore e é um meio por excelência para apoiar este desenvolvimento», na medida em que se centra na criança como um todo, com o objetivo de as ajudar a adquirir as competências-chave - capacidades motoras, sociais e de auto estima -de que irão necessitar para se tornarem adultos confiantes, felizes e bem-sucedidos».
O diretor refere ainda que «a base pedagógica dos Programas Gymboree de Desenvolvimento Infantil respeita a criança no seu todo e premeia uma aprendizagem que valoriza as inteligências múltiplas de Howard Gardner. Cada programa e cada nível de aprendizagem procura respeitar os ritmos e os estilos de aprendizagem de cada criança», aponta.
CINCO PROGRAMAS
Este projeto disponibiliza cinco programas, direcionados para diferentes idades.
A aula “Gymboree Play&Learn”(do nascimento aos cinco anos)«estimula o desenvolvimento global da criança através de atividades de brincadeira e novas descobertas. Desde a estimulação sensorial às propostas de resolução de problemas e às histórias, as nossas aulas usam sofisticados equipamentos e atividades baseadas na brincadeira para fortalecer o corpo e a mente».
Já o “Programa de Música”(dos seis meses aos cinco anos)«estimula o desenvolvimento da criança e o gosto pela música através de canções, dança, jogos de movimento e exploração de instrumentos musicais».
Para as crianças mais velhas, dos 18 meses aos cinco anos, «no “Programa de Artes” criam-se momentos pedagógicos que inspiram a imaginação, a criatividade e a auto expressão da criança, através de um mundo de atividades artísticas que envolvemos cinco sentidos».
Por seu turno, Roberto Macedo Alves destaca que o “Programa de Desporto” (dos três aos cinco anos) é «um momento de autonomia e de descoberta do mundo e da partilha do espaço». Com «atividades focadas nas competências-chave para o futebol, basebol, hóquei, desportos de raquete, atletismo, golfe e outras, aqui aprende-se o respeito pelo outro».
Finalmente, o “Programa Schools Skills” ou “Preschool Steps” está focado «em aulas de preparação para a escola.”
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Diretora da Helen Doron English Funchal, Linda Bettencourt, defende as vantagens de dominar mais do que uma língua
Bilingues têm visão diferente do mundo© DR
Aproveitar «o potencial do desenvolvimento do cérebro significa que este ficará mais complexo e mais estruturado», afirma Linda Bettencourt, diretora da Helen Doron English Funchal, um centro que ensina inglês a bebés e crianças a partir dos três meses de idade. Mãe de um rapaz, a nossa entrevistada é húngara e fala fluentemente a língua inglesa, que começou a aprender com cinco anos. Muito interessada pelo tema do desenvolvimento precoce, sempre quis que o filho fosse bilingue, daí que ele tenha começado a aprender este idioma antes de ter um ano. Hoje, passados alguns anos, tem a certeza da opção que tomou e descreve-nos as inúmeras vantagens de ser bilingue ou multilingue (poliglota). «Os estudos mostram que as crianças multilingues e bilingues têm melhores resultados na resolução de problemas matemáticos».
«O motivo para isso», explica, «é porque estão expostas à diversidade, aos diferentes mundos das diferentes línguas que eles falam. Eles vêem que as coisas são diferentes, porque entendem que há uma diferença entre o mundo que eles vêem com os seus “olhos” portugueses ou com os seus “olhos” ingleses», frisa.
Por outro lado, Linda Bettencourt defende que as crianças bilingues ou multilingues «também têm maior facilidade na resolução dos problemas. Elas fazem questões com outra abertura, porque entendem melhoras diferenças», acredita.
Esse tipo de pensamento também acaba por levar «a melhores resultados no pensamento crítico e no que se refere à diversidade cultural ou aceitação. Eles “abraçam” melhor as diferenças culturais», refere.
Na sua opinião, «atualmente, no mundo moderno, o mais importante não é o conhecimento enciclopédico, que até pode ser pesquisado online, mas as capacidades que possuímos: o pensamento crítico, a capacidade de resolver problemas e de entender as diferenças. E as crianças bilingues têm mais vantagem nestas matérias que as monolingues», afiança.
Falar e repetir muito
Linda Bettencourt sugere maneiras fáceis dos cuidadores ajudarem a potenciar as aptidões e capacidades que as crianças têm. «Se há pessoas a falar línguas diferentes na família, que as falem com a criança. Se a avó fala espanhol, que fale unicamente em espanhol com a criança, para que ela cresça com a oportunidade de falar português e espanhol». «Se não for esse o caso, deve-mos falar o mais possível a língua materna, e o mais explicado possível», propõe. «Em vez de dizer “olha o cão” e imitar o seu ladrar, devemos adicionar informação e dizer a raça, a core outros dados». Isso porque, de acordo coma proprietária da Helen Doron English Funchal, «quanto mais falarmos e mais repetirmos as coisas, mais informação e vocabulário a criança vai adquirir. E mesmo que a criança ainda não fale, ela está a ouvir e a absorver tudo», garante.
De igual forma, a educadora refere que «usar muitas rimas e cantar para o bebé» é muito bom, na medida em que «ajuda à aquisição da linguagem e a estabelecer laços familiares». Contar os degraus em voz alta quando os subimos, ensinar a esquerda e a direita quando atravessamos a rua, são outras formas divertidas de os mais pequenos aprenderem.
Fonte: Jornal da Madeira