A problemática da natalidade em Portugal: oportunidades e desafios foi o tema do primeiro painel da conferência 'Natalidade: como fazer crescer Portugal', moderada por Ricardo Costa, diretor de informação da SIC.

 

O debate contou com a presença de João Cília, diretor-geral da Wells, Sibila Seddon-Harvey, mãe de uma família numerosa, Vanessa Cunha, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais, e Ana Carvalho, diretora adjunta do departamento de pediatria do Hospital da Luz

 

Portugueses querem ter mais filhos mas adiam decisão por constrangimentos económicos e de conciliação entre a vida pessoal e profissional

 

Portugal está na cauda da Europa no que ao crescimento da natalidade diz respeito, com cada vez menos crianças a nascer em solo nacional. Em 2017 ocorreram menos 972 nascimentos face ao ano anterior, depois de dois anos de algum aumento, essencialmente devido a filhos de imigrantes. Uma realidade que tenderá a piorar caso nada se faça para travar esta tendência, e que resultará numa perda real de população – seremos cerca de 7 milhões em 2030/40, estimam estudos da União Europeia. É por isso que "este será um tema prioritário para o futuro e uma causa nacional", defende Francisco Goiana, representante do Ministério da Saúde na Conferência 'Natalidade: Como Fazer Crescer Portugal', promovida pela Wells com o apoio do Expresso, que decorreu hoje na Fundação Champalimaud, em Lisboa.

 

Para o médico, este é um assunto que deve envolver toda a sociedade, com a mudança de cultura tão necessária a ser liderada quer pela classe política, quer por empresários. Aliás, salienta, "o setor privado é aqui essencial". Francisco Goiana lembra a importância da criação de um grupo de trabalho com este objetivo, que aconteceu em 2013, ainda durante o Governo anterior, que estabeleceu um conjunto de metas e objetivos de médio e longo prazo. "Foi um primeiro passo que agora é preciso operacionalizar".

 

Alice Frade, diretora da P&D Factor – População e Desenvolvimento, organização sem fins lucrativos para os Direitos Humanos, partilha da mesma opinião e relembra que Portugal tem na Agenda 2030 para a sustentabilidade do país, medidas que incluem a promoção do exercício da parentalidade. No entanto, alerta, "o tema da natalidade e questões relacionadas têm que ser associadas a outras, tão importantes, como o envelhecimento". "Este é outro grande desafio de sustentabilidade para o Serviço Nacional de Saúde (SNS)", junta Francisco Goiana.

 

Natalidade a diminuir desde 1960

 

O adiamento do nascimento do primeiro filho é uma realidade que não é de agora. Alice Frade recorda que a redução no número de bebés acontece desde que a sociedade começou a ter acesso a métodos contracetivos e se introduziu o planeamento familiar. Em 1960 nasciam 24 bebés por cada mil habitantes, enquanto que em 2017 este número era de 8 por cada 1000. Ainda assim, a antropóloga cita um estudo levado a cabo pela Fundação Francisco Manuel dos Santos que conclui que 92% dos portugueses quer ter filhos e que gostaria de ter 2 ou 3. A concretização do sonho é, no entanto, distinta, com os cidadãos nacionais a terem, em média, 1,03.

 

Os fatores que mais influenciam a decisão de ter menos filhos, mais tarde, são, na opinião de Alice Frade, os salários baixos, a incompatibilidade de horários e a dificuldade em conciliar vida pessoal e profissional, e a falta de uma rede de apoio (creches, etc...). Um conjunto de problemas que urge resolver.

 

Mas, apesar de estar na cauda da Europa no que se refere a nascimentos, Portugal é considerado, a nível internacional, um dos países mais amigos das crianças e das mulheres graças a um bom Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a uma baixa taxa de mortalidade infantil, refere Francisco Goiana. "Somos mesmo um caso de estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) por sermos o país que mais rapidamente reduziu a taxa de mortalidade infantil", complementa Alice Frade. E acrescenta: "É um luxo nascer em Portugal e no SNS". Contudo, o país ainda tem um longo caminho a percorrer para chegar ao nível de países como a Dinamarca, considerados casos de estudo nestas temáticas.

 

Nórdicos lideram na cultura familiar

 

Na Dinamarca, ter filhos e passar tempo com a família é, não só, uma prioridade, mas sinónimo de status. Quem o diz é Kay Xander Mellish, jornalista e autora norte-americana, promotora do blog 'How to live in Denmark', que marcou presença na conferência 'Natalidade: como fazer crescer Portugal'. O exemplo dinamarquês é um dos casos de estudo europeus ao nível da natalidade e da parentalidade, com o qual Portugal muito pode aprender. "Há um conjunto de medidas que podem ser adoptadas em Portugal, seguindo este exemplo, que não custam obrigatoriamente muito ao Estado", explica Alice Frade. "É uma questão de organização e de mudança cultural nas empresas e nos empregadores", acrescenta.

 

Mas o que tem este modelo de diferente? Em primeiro lugar, explica Kay Xander Mellish, "os homens são um pilar fundamental para a construção de uma cultura mais familiar". O trabalho partilhado em casa, a licença de parentalidade de um ano dividida entre mãe e pai, horários reduzidos e a igualdade de direitos no trabalho são as peças fundamentais para que tudo encaixe neste puzzle. Em Portugal, acrescenta Alice Frade, "é preciso mudar mentalidades para chegar a este nível".

 

Um Estado bastante interventivo é outra das caraterísticas do modelo dinamarquês. Os bebés nascem maioritariamente nos hospitais públicos e a natalidade é incentivada mesmo quando a idade já não ajuda à fertilidade. Um em cada 10 crianças nascem com a ajuda de tecnologias reprodutivas, com o Estado a pagar todo o processo. Mulheres solteiras e casais lésbicos são incentivados a procriar, contando também com todo o apoio estatal.

 

Durante a gravidez, cada mulher tem um especialista atribuído que a acompanha nas suas dúvidas, questões e tratamentos. Depois do parto, e durante o primeiro ano de vida, uma enfermeira vai a casa ver se está tudo bem com o bebé e ajudar no que for necessário. Quando chega o momento de ir para a creche, 97% das crianças vão para instituições públicas – sendo mal visto quem não o faz.

 

"Todos os momentos livres são passados em família", explica a jornalista. Os pais trabalham das 8h30 às 15h30, com 30 minutos de almoço, e sem interrupções, para que possam sair a horas de ir buscar os seus filhos à escola e de passarem tempo de qualidade com eles. Em Portugal, diz Kay Mellish, "é preciso pensar especialmente a questão do apoio aos pais que trabalham". O resto são mudanças culturais que, a seu tempo, poderão ser ultrapassadas.

 

In “Expresso”