No dia mundial do Cancro do Ovário, o médico Daniel Pereira da Silva, presidente da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia, esteve à conversa com o Saúde Online e explica como este tipo de cancro, apesar de não ser dos mais comuns, pode ser fatal se o diagnóstico não for feito a tempo.

 

Entrevista a Daniel Pereira da Silva: o maior perigo do cancro do ovário é o diagnóstico tardio

 

Como é que se manifesta o cancro do ovário?

 

Uma das grandes dificuldades no tratamento do cancro do ovário é o diagnóstico precoce. É um tipo de tipo de tumor que não tem sintomas ou sinais específicos típicos da doença. Os sinais que aparecem, na maior parte das vezes, são confundidos com queixas, por exemplo, do foro intestinal. A senhora acha que os intestinos passaram a funcional mal, tem algumas dores ou tem mais dificuldade em ter as suas dejeções. São sintomas muito inespecíficos. Até que depois ela começa a dar conta de que a barriga cresceu, que tem um aumento de volume. E, nessa altura, vai ao médico. É sujeita a determinados exames – nomeadamente a ecografia – que mostram a presença de um tumor no ovário, muitas vezes já numa fase avançada da doença.

 

O facto de esse diagnóstico ser feito tarde influencia a taxa de sobrevivência?

 

Influencia totalmente. É a causa mais importante [de morte] a par da natureza do tumor. Se nós conseguirmos diagnosticar – e terá de ser por sorte, já que não há meios de diagnóstico precoce – numa fase inicial, o carcinoma do ovário tem uma taxa de sobrevivência aos cinco anos que ultrapassa os 95%. Se for diagnosticado tardiamente, essa taxa anda à volta dos 15%. É uma diferença abismal. É a diferença entre, quase, tudo e nada.

 

Esses números (15% de sobrevivência a 5 anos) colocam o cancro do ovário na lista dos mais mortíferos.

 

Felizmente, o carcinoma do ovário não é dos tumores mais frequentes mas, mesmo assim, atinge, no nosso país, cerca de 250 a 300 mulheres por ano. O grande problema é que, em relação aos cancros específicos da mulher, é o mais mortal – é aquele que tem a taxa de mortalidade mais elevada, exatamente pelo facto de o diagnóstico ser relativamente tardio. Nas fases avançadas da doença, os meios de tratamento, nomeadamente a cirurgia, não conseguem erradicar o tumor. Muitas vezes, nós não conseguimos, na primeira cirurgia (que é a cirurgia decisiva), que a doente fica sem a doença.

 

Neste momento, qual é a percentagem de casos em que a doença é diagnosticada numa fase inicial?

 

É diminuta, muito pouca. Não chega a 20%. Na imensa maioria dos casos, o diagnóstico é tardio.

 

Este é um cancro com uma metastização rápida?

 

É um cancro com uma disseminação rápida, ou seja, a disseminação (ou metastização, se quisermos) do cancro do ovário é sobretudo intra-abdominal. Infelizmente, o tumor rapidamente se dissemina para as ansas intestinais, para as cúpulas diagragmáticas. Formam-se metástases ganglionares. É isto torna a cirurgia extremamente difícil e complexa porque muitas vezes têm de se fazer amputações da totalidade (ou de parte) dos órgãos, para que nós consigamos que a mulher fique sem tumor residual.

 

Quais são as causas desta doença?

 

Não há uma causa. O que nós sabemos, hoje em dia, é que as razões dos tumores do ovário mais agressivos parecem ser mutações ou alterações genéticas que se dão na Trompa [de Falópio] e que, depois, pela proximidade do ovário, este vai incluir essas alterações e dar origem a tumores de extrema agressividade. Daí que o cancro do ovário seja menos frequente nas mulheres que tomam a pílula porque essas mulheres não ovulam. Cerca de 20% dos casos são de natureza hereditária, isto é, a mulher herda uma predisposição para o tumor – não quer dizer que o venha a ter mas é altamente provável que o tenha. E, hoje em dia, cada vez mais estão a ser feitos os testes de predisposição para o cancro do ovário porque isso nos obriga a ter atitudes profiláticas relativamente cedo na vida da mulher.

 

Que tipo de profilaxia é que se pode fazer?

 

A profilaxia indicada é a mulher utilizar a pílula enquanto não atingir o número de gravidezes que fazem parte do seu projeto de vida. E, a partir dos 35 anos, quando já tiver a sua descendência constituída, o tratamento que propomos é a excisão dos dois ovários – [o que resulta numa] menopausa precoce. Isto significa que a mulher nunca mais vai poder ser mãe, o que significa que temos de atrasar [a cirurgia] para uma altura em que essa questão [maternidade] já esteja resolvida. É uma equação de bom senso.

 

Tendo 20% dos casos uma origem hereditária, os outros 80% têm, presumo, uma origem completamente aleatória. Não há nada que as mulheres possam fazer para prevenir o cancro do ovário?

 

Não há forma de prevenir. O único meio que conhecemos que torna a doença menos frequente é o uso da contraceção hormonal combinada, isto é, o uso da pílula de forma regular desde cedo.

 

Em que faixas etárias é que esta doença é mais comum?

 

Sobretudo, após a menopausa. Nas suas fases mais avançadas e agressivas, afeta sobretudo [mulheres] a partir dos 40 anos. Mas pode surgir, com nuances de tipos diferentes, em qualquer altura da vida da mulher, inclusivamente em crianças – embora, felizmente, esses casos não sejam os mais agressivos e sejam mais raros. Mas pode surgir ao longo de toda a vida.

 

Em relação ao tratamento, que opções estão disponíveis neste momento, para além da cirurgia?

 

A grande arma de tratamento é a cirurgia. A cirurgia não deve ser feita em qualquer local. Há estudos relativamente recentes que demonstram que o êxito da cirurgia fica comprometido se o cirurgião ginecológico não tiver a experiência suficiente e se o serviço não tiver, pelo menos, 30 novos casos por ano. Isto está demonstrado em países que já avançaram neste processo, como é o caso da Holanda ou da Alemanha, que são os países que mais evoluíram para demonstrar todo o potencial que a cirurgia tem. A cirurgia tem de ser feita por uma equipa multidisciplinar e que tenha experiência neste tipo de tumor. Com todo os meus anos de IPO, posso-lhe dizer que é a cirurgia mais difícil que um ginecologista oncológico enfrenta, porque nós não conseguimos antever as dificuldades da cirurgia antes de estarmos na sala de operações perante a mulher com o abdómen aberto.

 

Depois, em função desse mesmo resultado da cirurgia e da análise exaustiva do tumor, tem de se ponderar a quimioterapia – que o tratamento onde hoje se conseguem melhores resultados.

 

Isso significa que as mulheres que passam por um cancro do ovário dificilmente poderão ser mães ou mães outra vez.

 

Na maior parte das vezes, a cirurgia é radical logo à partida e isso impede-as de todo. Mas se nós conseguirmos o diagnóstico precoce, podemos também aí ponderar uma cirurgia conservadora para que a mulher tenha a procriação que deseja. Porque está muita coisa em causa: uma menopausa precoce é sempre algo muito gravoso; o facto de não vir a ter filhos é também muito agressivo

 

Entrevista a Daniel Pereira da Silva: o maior perigo do cancro do ovário é o diagnóstico tardio

 

In “Saúde Online”