Programa de saúde oral no arquipélago é considerado uma referência. Prevenção nas escolas, consultas gratuitas para crianças, grávidas e idosos, profissionais nos centros de saúde e hospitais, são caminhos que bastonário dos Médicos Dentistas quer ver o resto do país trilhar.

 

 

É a terceira vez que Leonor, 9 anos, se senta naquela cadeira azul. Veio com a avó da escola da Nazaré, de um bairro na zona Oeste do Funchal, até ao Centro de Saúde do Bom Jesus, onde está concentrado, na capital madeirense, o serviço de Medicina Dentária do Serviço Regional de Saúde do arquipélago (SESARAM).

 

Diz que não tem medo. Que é valente, e abana a cabeça para reforçar isso mesmo. Mas não consegue disfarçar o incómodo quando a cadeira começa a descer, até estacionar na horizontal. Cabelo farto e comprido, apanhado atrás, telemóvel bem seguro na mão direita, vai ouvindo as explicações da médica dentista, sem tirar os olhos da televisão incorporada na cadeira.

 

“Tens aqui um dente de leite a abanar, vamos tirá-lo para o definitivo ter espaço para crescer”, explica Liliana Vasconcelos, que é também coordenadora do Programa Regional de Saúde Oral – Madeira a Sorrir. Leonor já não ouve. Deitada e absorvida pelos cartoons que chegam da televisão, deixa, despreocupada, a equipa trabalhar.

 

 “Queres levar o dente?”, pergunta a dentista, no final. Acena que sim. Agora já não consegue mesmo falar. Batem à porta. É a avó de Leonor que entra. “Já acabou?” “Sim, já. Tem de continuar a cuidar dos dentes, já tem dentição definitiva”, aconselha a médica, encaminhando ambas para o balcão de atendimento, para a marcação de nova consulta.

 

A extracção do dente custaria 31,10 euros. Mas Leonor não pagou, claro. “Fazemos questão de informar as pessoas do valor do acto médico, para que valorizem o que está a ser feito”, diz a também coordenadora do programa, lamentando os casos em que os pais – principalmente eles, nestes casos – não valorizam o serviço, apesar de ser gratuito.

 

Estas consultas de medicina dentária gratuitas já existem em três dos 15 centros de saúde do arquipélago desde 1995. No continente é bem diferente: o projecto-piloto de integração de dentistas no Serviço Nacional de Saúde arrancou apenas em Outubro, com a contratação de 13 dentistas para centros de saúde de Lisboa e Vale do Tejo e do Alentejo, com o objectivo de tratar prioritariamente diabéticos. Prevê-se que até 2019 sejam 91 no total, em menos de um quarto dos centros de saúde de Portugal continental.

 

23 mil consultas num ano

 

No segundo piso daquele centro de saúde no centro do Funchal, instalado num edifício que conta já largas décadas, funciona um serviço que foi alvo de uma profunda remodelação há três anos. Cinco gabinetes modernos, bem equipados, contrastam com o traço clássico do edifício. Por dia, são feitas cerca de 120 consultas. A Clínica de Saúde Oral dispõe também de uma sala com capacidade para 30 pessoas, idealizada para acolher sessões de sensibilização para os cuidados de higiene oral. É por tudo isto que a Madeira tem vindo a ser considerada um exemplo a seguir pelo resto do país em matéria de saúde oral.

 

Para já, são as crianças até aos 13 anos, e todas aquelas que frequentam o primeiro ciclo escolar, grávidas e idosos (com mais de 65) os "clientes" deste programa Madeira a Sorrir, que tem duas vertentes: dentistas nos centros de saúde e visitas às escolas.

 

Além do Funchal, o SESARAM disponibiliza o serviço no centro de Saúde do Porto Santo e no do Porto Moniz, na costa Norte da ilha, mas a partir de Março, com a inauguração da nova unidade de saúde de Câmara de Lobos (Oeste do Funchal), as clínicas públicas vão crescer.

 

No ano passado, foram feitas 23 mil consultas de medicina dentária no SESARAM, mas Liliana Vasconcelos quer mais. O objectivo, explica, é ampliar a rede a mais três concelhos até ao final de 2020: Machico (a segunda cidade da Madeira), Calheta e São Vicente (a Norte).

 

Mas há outras especificidades na Madeira. Desde 1997 que a medicina dentária é convencionada (as consultas no privado são comparticipada pelo SESARAM) em linha com as restantes especialidades médicas, o que não acontece de forma tão abrangente no resto do país, onde apenas os beneficiários de alguns subsistemas de saúde podem ser abrangidos pela medicina dentária convencionada. E em 1996, diz a coordenadora do programa, equipas de dentistas e higienistas começaram a ir às escolas, em acções de formação de escovagem e sensibilização.

 

Prioridade aos mais novos

 

A região, diz ao PÚBLICO o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), Orlando Monteiro da Silva, tem caminhado no sentido de responder às propostas que têm sido defendidas para o resto do país para garantir a acessibilidade da população à medicina dentária. O bastonário elogia ainda a convenção com o sector privado que torna a medicina dentária acessível a toda a população, a presença de médicos dentistas em centros de saúde e hospitais e a intenção de introduzir, como já no continente, um Projecto de Intervenção Precoce de Cancro Oral.

 

 “A Madeira está agora a entrar numa fase de maior estabilidade na gestão da saúde, depois de nos últimos três anos termos tidos quatro secretários regionais da Saúde. A dinâmica agora imposta por Pedro Ramos [actual titular da pasta] converge no sentido da promoção da saúde e da prevenção da doença”, diz o bastonário, vincando que a ordem quer continuar a ser um parceiro destas políticas.

 

Porque o Madeira a Sorrir não se esgota nas cadeiras dos consultórios, todos os dias, uma equipa de nove dentistas e três higienistas sai do Centro de Saúde do Bom Jesus rumo a uma escola da região. Com material promocional no carro, escovas e kits de flúor, o programa está a varrer os estabelecimentos de pré-escolar e as turmas de 1.º ano do ensino básico. Não existem meios humanos para chegar a todos ao mesmo tempo, por isso a prioridade são os mais novos.

 

 

 

Por força da crise e do resgate financeiro a que o arquipélago foi sujeito, esta vertente do programa Madeira a Sorrir foi interrompida em 2010, mas o novo executivo retomou-a em Outubro do ano passado. “Já abrangeu cerca de 2400 crianças em três meses e meio”, segundo faz saber a Secretaria Regional da Saúde, perspectivando chegar às seis mil até Dezembro.

 

 “Quando acabarmos os do 1.º ano, passaremos as outras turmas”, esclarece Liliana Vasconcelos, elogiando o papel activo que os professores têm no programa. Quando vão pela primeira vez às escolas, as equipas promovem bochechos de flúor. Quando partem, deixam os kits e são depois os professores que vão fazendo a prevenção com os alunos, de acordo com um calendário estabelecido pelos técnicos.

 

O objectivo é não só que crianças como a Leonor cresçam sem problemas de saúde oral, mas também que transmitam em casa esses conhecimentos. “Penso que todos ganham. As pessoas e a própria região, que ao apostar na prevenção está a poupar no futuro”, sintetiza Liliana Vasconcelos.

 

Fonte:  Público