Rui Cruz Ferreira, do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, defende informação em manuais escolares

 

A Direção-Geral da Saúde quer estabelecer uma parceria com o Ministério da Educação para reforçar a sensibilização da população para os sinais de enfarte logo a partir da idade escolar.

 

 

Rui Cruz Ferreira, diretor do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, revelou ao i que está a ser preparado um plano de comunicação junto da população que terá como canal principal os centros de saúde. Mas o objetivo é que os sintomas como dor aguda no peito e mal-estar repentino sejam conhecidos de todos, a começar pelos mais novos.

 

A proposta do programa da DGS é que a informação passe a constar dos manuais escolares do ensino secundário. Rui Cruz Ferreira adiantou ao i que os contactos com o Ministério da Educação já foram iniciados. Poder-se-á aproveitar a alteração de currículos prevista para o próximo ano ou o facto de os manuais serem revistos periodicamente, diz o responsável.

 

A necessidade de estar atento aos sinais de enfarte e, quando possível, procurar ajuda rapidamente voltou a estar em destaque esta semana. A revista médica “Lancet” publicou um estudo de investigadores do Imperial College London que analisaram as mortes por enfarte agudo do miocárdio registadas em Inglaterra, entre 2006 e 2010, de pessoas com mais de 35 anos. Neste período houve 135 950 mortes desta natureza e os investigadores apuraram que 51% das vítimas não chegaram a dar entrada nos hospitais. Um dos dados que levou a Fundação Britânica do Coração a manifestar preocupação foi o facto de um sexto das mortes (16%) terem ocorrido em pessoas que tinham dado entrada nos hospitais mas cujos sintomas, que por vezes podem ser ambíguos, não terem sido valorizados. Além disso, 12% dos doentes que viriam a falecer só foram identificados como casos de enfarte pelo segundo ou terceiro médico com quem contactaram no serviço hospitalar.

 

Rui Cruz Ferreira admite que estas situações podem ocorrer, mas são atípicas. O responsável sublinha antes do mais que há um dado que se repete em todos os estudos internacionais, que é o facto de a maioria das mortes por enfarte ocorrer fora do hospital. Mas o especialista explica que, muitas vezes, isto resulta de haver um ataque cardíaco fulminante ou de a pessoa sofrer o enfarte durante a noite e não estar acompanhada nem conseguir pedir socorro. Em Portugal, estima-se que 60% das vítimas de enfarte morram fora do hospital.

 

Quanto ao despiste nos hospitais, excetuando situações em que não há qualquer sintomatologia suspeita, Cruz Ferreira explica que, atualmente, todas as urgências do país dispõem da análise dos níveis de troponina, que permite despistar casos de enfarte muito precocemente. Mas há um alerta importante a fazer. “É vital a chegada aos serviços hospitalares ser feita através do 112, para que os doentes sejam encaminhados para os hospitais mais adequados.” Portugal tem instituídas, tanto no AVC como no enfarte, vias verdes para estes casos. No ano passado, o INEM só encaminhou 657 doentes com enfarte, quando todos os anos se verificam milhares de enfartes no país. Em 2014, um estudo nacional revelou que apenas 38% dos doentes que sofreram um enfarte e foram vistos no SNS chamaram o INEM.

 

Um dos aspetos que a DGS quer reforçar na futura campanha de informação é a importância de chamar o INEM atempadamente. “Continuamos a ter muitos casos em que as pessoas chegam aos hospitais duas e três horas após o início dos sintomas”, o que tende a piorar o prognóstico. “Perante uma dor no peito que, por vezes, se estende para o lado esquerdo e mal-estar por mais de meia hora deve fazer-se o contacto para o 112”, sublinha Rui Cruz Ferreira. O estudo em Inglaterra apurou que muitos dos doentes que morreram em casa tiveram sintomas durante mais de 15 minutos, alertando para a necessidade de encurtar as idas para os hospitais.

 

O enfarte é a causa de morte de mais de 4 mil portugueses todos os anos. Nos últimos dez anos, a mortalidade baixou 20%, fruto da melhoria da rede de resposta nos hospitais e das intervenções nos doentes, diz Rui Cruz Ferreira. Em 2014 houve uma ligeira inversão nesta tendência que a DGS está a acompanhar.

 

MARTA F. REIS

 

Fonte: Jornal I