Este foi o oitavo ano consecutivo em que o número de mortes ultrapassou o total de nascimentos. Desde 2009, Portugal perdeu quase 126 mil pessoas.

 

O número de mortes em Portugal tem-se mantido relativamente estável.

 

Mas em 2016 morreram quase 111 mil pessoas e este é o valor absoluto mais elevado registado em Portugal desde 1960 (quando se registaram mais de 95 mil óbitos), uma consequência do progressivo envelhecimento da população e, eventualmente, da precocidade da epidemia de gripe sazonal, que neste Inverno atingiu o pico em Dezembro passado e atingiu sobretudo a população mais idosa.

 

Em 2016, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) contabilizou 110.927 óbitos, enquanto o Instituto Ricardo Jorge (Insa) registou 87.557 “testes do pezinho”, o rastreio que praticamente todos os bebés fazem à nascença. Ainda provisórios, estes dados estarão muito próximos dos valores finais e permitem concluir que o saldo natural (mortes versus nascimentos) voltou a ser negativo (menos 23.380), o que acontece já pelo oitavo ano consecutivo em Portugal. A boa notícia é a de que o número de nascimentos cresceu de novo.

 

Tumores malignos responsáveis por um quarto das mortes

 

O aumento do número de mortes não surpreende os especialistas. “É natural. Se a população está envelhecida, há cada vez mais pessoas nas idades de maior risco [de morrer]”, observa Maria João Valente Rosa, directora da Pordata, a base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

 

"Nunca fomos tão velhos"

 

“Nunca fomos tão velhos, esta evolução terá muito a ver com o envelhecimento”, corrobora Paulo Nogueira, o responsável pela Direcção de Serviços de Informação e Análise da DGS. Também o facto de neste ano a epidemia de gripe sazonal ter atingido o pico em Dezembro passado, quando noutros anos isso costuma acontecer em Janeiro ou Fevereiro, poderá ter tido alguma influência neste acréscimo, especula Paulo Nogueira. Mas o problema, acentua, é que há dez anos ainda nasciam mais pessoas do que as que morriam.

 

É precisamente este fenómeno - o aumento do saldo natural negativo - que mais preocupa os especialistas em demografia e em epidemiologia. O ano de viragem foi 2007, quando pela primeira vez (exceptuando o ano da gripe pneumónica, 1918, em que morreram quase 250 mil portugueses) houve mais mil óbitos do que nascimentos em Portugal. Em 2008, a tendência reverteu-se, mas no ano seguinte o saldo natural voltou a ser negativo e tem continuado assim desde então.

 

Editorial: A “implosão” demográfica

 

Portugal está, pois, a “encolher” e a perder população progressivamente. Entre 2009 e 2016, feitas as contas por alto, perdemos quase 126 mil pessoas e falta ainda somar a este número o resultado do saldo migratório (emigração versus imigração) que desde 2011 também se tem revelado sempre negativo.

 

Para a socióloga Ana Fernandes, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, o que merece destaque é justamente este fenómeno de “implosão” demográfica. “Estamos em perda [há anos] e, se não atrairmos jovens, corremos o risco de atingir o ano de 2060 com menos de sete milhões de pessoas, de acordo com projecções efectuadas pelo Instituto Nacional de Estatística. É uma perda muito grande”, enfatiza. “E o problema não é termos menos gente, é termos menos gente mais envelhecida”, acrescenta.

 

Relativamente ao aumento da natalidade que se voltou a observar em 2016, Ana Fernandes lembra que Portugal tinha “batido no fundo” – em 2013 nasceram menos de 83 mil crianças – e o que está a acontecer agora é “uma recuperação face à contenção” verificada nos anos da crise económica. Alguns casais não podiam todavia adiar mais o seus projectos de parentalidade e, depois da saída da troika, os nascimentos naturalmente aumentaram, diz.

 

As projecções divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2013 apontaram para uma redução drástica da população em 2060. Se Portugal não conseguir aumentar a natalidade e os saldos migratórios continuarem negativos como até agora tem acontecido, em 2060 a população nacional poderá ficar reduzida a 6,3 milhões de habitantes, no mais pessimista dos três cenários traçados então pelo INE. O cenário mais optimista prevê que a população se fique pelos 8,6 milhões de residentes em 2060, mas isso implicaria uma recuperação bem mais significativa da natalidade e o crescimento da imigração.

 

O impacto da gripe e do frio

 

“Em saúde pública, isto [o aumento do número de óbitos] é considerado um fenómeno esperado e normal. 2016 foi um ano sereno, sem grandes problemas, apesar de ter havido uma concentração, um excedente de mortalidade [em Dezembro] . Todos os anos a mortalidade tem um comportamento irregular”, sintetiza o director-geral da Saúde, Francisco George. Esta variação está relacionada com "o aumento da população que se aproxima do fim de vida", diz também.

 

Ana Fernandes e Maria João Valente Rosa sublinham, todavia, que o indicador que deve ser levado em conta quando se fala de mortalidade é o da esperança de vida – e esta não tem cessado de aumentar em Portugal, numa evolução sem paralelo. Quanto ao número de óbitos, esse é resultado da estrutura etária e não deve funcionar como indicador de mortalidade, frisa a directora da Pordata. O que é certo, sublinha, é que "somos cada vez menos”, e, para que a população não diminua, "estamos cada vez mais dependentes da dinâmica migratória".

 

O número de óbitos verificado em 2016 também não surpreende Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. “Quanto maior a proporção de idosos, maior será a mortalidade”, comenta o médico, que nota que, para se poder fazer comparações, seria necessário levar em conta as taxas de mortalidade padronizada.

 

Além disso, nota, a mortalidade está em parte associada a condições meteorológicas adversas, como os picos de frio e as ondas de calor. "Recorrentemente, nos períodos de Inverno, temos excessos de mortalidade", e, neste Inverno, o pico da epidemia de gripe sazonal associado a temperaturas baixas ocorreu em Dezembro passado. Acresce que a estirpe predominante do vírus foi a H3N2, que é habitualmente mais severa e atinge sobretudo os mais idosos e vulneráveis, que têm um risco maior de morrer, justifica. Os dados da mortalidade de 2016, lembra ainda, podem estar associados a “uma época de gripe e meia”, porque o pico da gripe sazonal do Inverno passado ocorreu já no princípio de 2016.

 

"O excesso de mortalidade deve ser motivo de preocupação", considera Ricardo Mexia, que lembra que há vários estudos que indicam que Portugal, apesar de ter uma amplitude térmica baixa, é um dos países em que a população é mais vulnerável aos efeitos do frio e do calor na saúde. Porquê? "A nossa construção não é a mais adequada, há pessoas que acabam por recorrer a expedientes para se aquecer, como as braseiras, e os acidentes acontecem".

 

ALEXANDRA CAMPOS

 

Fonte: Público