A Direção Geral da Saúde ordenou uma lista com oito doenças (coração, gripe, cancro, diabetes, demência, depressão, SIDA e acidente vascular cerebral), através de uma escala numérica de 1 a 8 (do “maior receio” ao “menor receio”). Os resultados revelam que as demências estão entre as doenças que os portugueses mais receiam, sendo só superadas pelo cancro e pelo acidente vascular cerebral (AVC).A demência assusta bastante os portugueses, gerando muitos preconceitos, mitos e ideias erradas

 

Em Portugal, 9 em cada 10 pessoas consideram que a demência traz uma grande sobrecarga para a família e muitos admitem que a doença é vista como causadora de maior estigma social [em comparação com outras doenças] e geradora de sofrimento para a pessoa doente.

 

Estes são alguns dos dados relevantes saídos do relatório publicado este ano pela Direção Geral da Saúde no âmbito do Programa Nacional para a Saúde Mental relativo a 2015.

 

Em Portugal, os inquiridos para este relatório ordenaram uma lista de oito doenças [doenças do coração, gripe, cancro, diabetes, demência, depressão, VIH/SIDA, acidente vascular cerebral], através de uma escala numérica de 1 a 8, em que o 1representa o “maior receio” e o8 o “menor receio”. Os resultados revelaram que as demências estão entre as doenças que os portugueses mais receiam, sendo só superadas pelo cancro e pelo acidente vascular cerebral (AVC).

 

Além disso, embora a maioria dos questionados, em diferentes países, tenha apresentado uma atitude favorável à integração de pessoas com doença mental na vida pública, registou-se uma grande diferença entre a realidade francesa (com 89% de atitude favorável) e a portuguesa (com 65%).

 

Esmiuçando estes dados, é percetível que a saúde mental continua a ser uma área geradora de estigma social, embora alguns profissionais defendam que as mentalidades mudaram, como é o caso do psiquiatra Luís Filipe Fernandes.

 

Este especialista considera que a doença mental é, hoje em dia, «mais reconhecida como doença, menos discriminada, em que as pessoas e os profissionais estão mais atentos».

 

O médico madeirense — que julga não haver um grande aumento na incidência da doença mental na Madeira — aponta como prova desta “aceitação” o facto de as pessoas «procurarem mais ajuda e serem mais bem tratadas» pelos serviços de saúde.

 

Já Eduardo Lemos, diretor da Casa de Saúde São João de Deus, no Funchal, não faz a mesma análise e reconhece que ainda há «muita incompreensão, mitos e preconceitos sobre o doente mental».

 

«O doente mental é uma pessoa que as pessoas não querem tê-lo como vizinho, viver perto. Há uma dificuldade em integrara pessoa portadora de doença mental na sociedade», começa por admitir o responsável que trabalha na área da psiquiatria há mais de 20 anos.

 

Mesmo assim, este reconhece que, nos nossos dias e mais precisamente depois de uma lei que saiu em 1998 [Lei n.º36/98, de 24 de Julho] e que estabelecia os princípios gerais da política de saúde mental e regulamentava o internamento compulsivo dos portadores de anomalia psíquica, «o doente mental começou a ser visto como uma pessoa com plenos direitos».

 

Aliás, continua, «isto são pressupostos que legitimam quem trabalha na saúde mental e que dão também a perceber à sociedade que a integração do doente mental a fazer parte da comunidade à qual pertence é um direito como qualquer outro direito que nos assiste».

 

Contudo, admite, «isto é uma coisa que está postulado mas que é pouco exercido ainda» apesar de «hoje em dia haver um novo trabalho em psiquiatria que são os cuidados continuado sem saúde mental e que defendem que a pessoa com doença mental deve ser tratada, reabilitada e integrada na comunidade».

 

«É evidente que isso implica meios financeiros diferentes e também um acolhimento da própria comunidade, onde a proximidade e a continuidade dos cuidados são aspetos essenciais e centrais», mas é o caminho mais certo a seguir, garante, esclarecendo que «o que importa a nós, enquanto unidade de assistência a pessoas com doença mental, é nós acolhermos, tratarmos e devolvermos à sociedade para os serviços de proximidade ao cidadão que são os centros de saúde».

 

Recordando que a Secretaria Regional da Saúde criou recentemente uma portaria que regulamenta as Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados (URAP), Eduardo Lemos explica que estas unidades vão trabalhar com a Casa de Saúde de São João de Deus, precisamente para «uma maior optimização de recursos, proximidade ao cidadão, acessibilidade às áreas de especialidade e a continuidade de cuidados”.

 

 OS “MILAGRES DA REABILITAÇÃO”

 

Eduardo Lemos confessa que aquilo que o mais motiva na sua profissão é assistir aos “milagres da reabilitação”, os quais, orgulha-se, acontecem com alguma frequência na Unidade de Alcoologia.

 

O diretor recorda a história de um casal que tinha quatro filhos e em que ambos os cônjuges eram alcoólicos. Os filhos estavam em famílias de acolhimento e longe dos pais. Após a reabilitação dos pais, todos os filhos foram devolvidos ao casal porque já havia condições para isso. «Nós assistimos a todo o processo e percebemos o quanto era importante o nosso trabalho», congratula-se, ressalvando que são experiências profissionais como esta que «ajudam a ultrapassar as dificuldades do nosso dia-a-dia», conclui.

 

«PESSOAS TAL E QUAL COMO NÓS»

 

Filipa Cardoso conta que, desde cedo, aprendeu a «manter o distanciamento» que é necessário para lidar com todas as situações que lhe chegam às mãos. Para esta assistente social na Casa de Saúde de São João de Deus, esse “distanciamento” é essencial para que o acompanhamento dos utentes decorra da melhor forma e também para o próprio profissional de saúde, que não pode deixar afectar-se pessoalmente pelos problemas que lhes são apresentados.

 

Apesar de trabalhar com situações de saúde muito frágeis, esta assistente social garante que trabalhar com pessoas com doença mental é «tão normal» como trabalhar com um doente com uma outra qualquer patologia.

 

O que acontece cá fora, em que há um forte estigma em relação à pessoa doente mental, é simplesmente «o medo do desconhecido», como faz questão de clarificar.

 

«Para mim, estas pessoas são mais normais do que aquelas que vivem na comunidade. São pessoas tal e qual como nós. Têm os seus anseios, os seus medos, os seus desejos, as suas tristezas e os seus sonhos, alguns legítimos, outros menos concretizáveis, é verdade, mas são todos desejos legítimos, tais como nós os temos», conclui. JM

 

Eduardo Lemos trabalha há mais de 20 anos na área da saúde mental. É o atual diretor da Casa de Saúde São João de Deus.

 

Psicóloga lembra que o doente mental não deve ser receado mas sim acolhido

 

«Qualquer pessoa com uma arma na mão também mata»

 

Apesar dos tratamentos e intervenções serem actualmente mais avançados e adequados, e de haver uma mentalidade mais aberta em relação à saúde mental, a psicóloga Orlanda Olim também reconhece que ainda hoje as pessoas com perturbações do foro mental continuam a ser estigmatizada pela sociedade. Uma das ideias estigmatizantes é aquela que o “louco” era visto como uma pessoa perigosa, do qual a sociedade foge como se de uma praga se tratasse - ainda hoje subsiste.

 

Desmistificando a ideia de que só as pessoas com doença mental fazem mal ao outro, esta psicóloga alerta que, “(…) qualquer pessoa com uma arma na mão, em determinados contextos, também mata”.

 

Clarifica que, para entender uma pessoa com perturbações mentais é fundamental, “(…) colocar-se no lugar do outro».

 

Aliás, refere, este é o primeiro passo que o psicólogo tem de dar perante qualquer ser humano em sofrimento, “(…) à beira do abismo (…)”. Contudo, e apesar de ser importante esta primeira abordagem de aproximação, a psicóloga, avisa que, depois de ouvidos os argumentos do outro, “(…) Há que saber distanciar-se do problema, ou seja, do “abismo”, e orientar o doente para um «lugar mais seguro», longe do foco da angústia daquela pessoa (…). É preciso acolhê-la e afastá-la da zona “assustadora” onde ela se encontra” :continua, salientando que só depois é que começa a intervenção do psicólogo propriamente dita.

 

O ritmo com que esse mesmo trabalho se desenvolve acaba por ser complexo porque de- pende do estado e da força de vontade de cada paciente, da colaboração dos familiares e das respostas sociais disponíveis na comunidade, faz questão de referir esta psicóloga que trabalha maioritariamente na reabilitação de pessoas com doença mental grave, nomeadamente com perturbação de Esquizofrenia e com pessoas com problemas ligados ao Álcool no Centro de Alcoologia S. Ricardo Pampuri, com homens e mulheres que estão alutar contra a dependência do álcool.

 

Um trabalho “(…) muito mais gratificante do que a maioria das pessoas pensa”, como confessa Orlanda Olim, que, já no final desta entrevista, refere que a Casa de Saúde é sem dúvida “a maior escola de vida” que poderia frequentar, tanto no seu crescimento pessoal como profissional. J

 

Casa de Saúde S. João de Deus promove a espiritualidade

 

Muitos utentes procuram na fé um sentido para a vida

 

Rute Pestana é a responsável pela Pastoral da Humanização e Voluntariado da Casa de Saúde S. João de Deus (CSSJD), uma valência que tem como principal objetivo integrar os utentes numa série de atividades que ajudam a tornar mais agradável a passagem por esta instituição.

 

Com uma forte componente espiritual, a Pastoral ajuda os utentes a encontrarem um sentido para a vida, independentemente da religião praticada.

 

«Muitas vezes estas pessoas sentem um vazio existencial porque não se sentem amadas, perdoadas e reconhecidas pela sociedade», explica a responsável, salientando que, tornar as suas vidas mais completas e com sentido, é um dos seus papéis nesta intituição de saúde.

 

É por esta razão que a Pastoral realiza ao longo do ano diversas iniciativas que ajudam os utentes a sentirem-se reconhecidos, levando para fora das portas da instituição os trabalhos realizados nos ateliês, mas também dando-lhes ferramentas que os motivem para a vida.

 

Trabalhando com todos os utentes desta casa de saúde, Rute Pestana reconhece que «é preciso ter-se uma estrutura psíquica bem estável» para lidar com todos os casos que lhe surgem no dia-a-dia.

 

«Às vezes, ao reflectirmos sobre o dia que tivemos, vem à nossa mente uma ou outra situação que nos faz pensar e que nos toca», desabafa, salientando que, mais do que a carga emocional que o seu trabalho exige, magoa-a mais a intolerância muitas vezes demonstrada cá fora pela sociedade perante um doente com problemas mentais.

 

Três em quatro adultos discordam que a demência seja fácil de diagnosticar pelo médico

 

Maioria não entende as doenças mentais

 

No relatório “Portugal – Saúde Mental em Números 2015”, publicado no início deste ano pela Direção Geral da Saúde, três em cada quatro portugueses considera que os tratamentos existentes para as doenças do foro mental «são pouco eficazes» mas, mesmo assim, cerca de90% dos inquiridos confia mais nos tratamentos farmacológicos do que nos tratamentos psicológicos.

 

Uma ideia refutada pelo psiquiatra madeirense Luís Filipe Fernandes, que, ao JM, esclareceu que «sendo os psicofármacos essenciais no tratamento da doença mental, não podemos deixar de valorizar todos os outros tipos de tratamento, inclusive a psicoterapia, que acabam por revelar-se «importantes adjuvantes no tratamento» e no «melhor lidar com a doença».

 

«A maioria dos doentes beneficia desta potenciação terapêutica», afirma Luís Filipe Fernandes, justificando que as terapias associadas aos fármacos são «um fator de motivação para o próprio tratamento, principalmente se for uma doença crónica em que o abandono e as recaídas são frequentes».

 

Aliás, em termos de abandono ou recaídas no decorrer do tratamento, o Relatório de Primavera publicado em 2015, da autoria do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, veio mostrar que há ainda muitos doentes que não seguem o tratamento recomendado pelos médicos. Em 2014, a descontinuidade de toma de medicação rondava os 50% nos casos de sintomatologia psicótica que chegavam aos serviços de urgência de todo o País.

 

O documento apontava na altura como principais razões desta descontinuidade o facto de ter havido uma diminuição na comparticipação pelo Governo nos medicamentos antipsicóticos que deixou de ser de 100% para, nalguns casos, ser suportado pelo doente em 5% ou 10% do custo do tratamento.

 

Perda da qualidade de vida

 

Ainda de acordo com o relatório “Portugal – Saúde Mental em Números 2015, este documento mostra que as doenças mentais mantêm um peso significativo no total de anos de vida saudável perdidos pelos portugueses, com uma taxa de 11,75% contra 13,74% das doenças cerebrovasculares e 10,38% das doenças oncológicas.

 

O mesmo documento refere também que as perturbações mentais representam 20,55% do total de anos vividos com incapacidade, seguidas pelas doenças respiratórias (5,06%) e a diabetes (4,07%).

 

MITOS DA DOENÇA MENTAL

 

Não há esperança para estes doentes

 

Verdade: Todos os dias surgem mais tratamentos e estratégias para as pessoas com doença mental. A imagem do passado, do doente mental que não conseguia funcionar ou ser produtivo, já não é uma realidade. Hoje em dia, as pessoas com doença mental podem ser activas e produtivas.

 

 As pessoas com doença mental são violentas

 

Verdade: A maioria dos “doentes mentais” não é mais violenta do que a população em geral. É muito provável que conheça alguém muito perto de si que sofre de uma perturbação mental.

 

As doenças mentais não me Atingem

 

Verdade: As doenças mentais são muito frequentes; podem atingir qualquer um de nós, independentemente da raça, religião, género, nacionalidade ou estatuto económico.

 

Problemas Atingem pessoas com carácter mais fraco

 

Verdade: Cada pessoa tem assuas características e sabe-se hoje  que as doenças mentais resultam de vários factores biológicos, psicológicos e sociais. Há famílias que têm vários casos da mesma perturbação mental e há factores sociais que podem levar uma pessoa a adoecer, como é ocaso do desemprego de longa duração.

 

Os medicamentos geram dependência

 

Verdade: O desenvolvimento da Medicina tem levado ao conhecimento do corpo humano e das alterações que as doenças provocam e dos medicamentos para as tratar. A Psiquiatria como ramo da Medicina não é excepção. Os medicamentos psiquiátricos devem ser usados sob orientação médica tal como noutras doenças.(Fonte:  www.http://www.saudementaL.PT

 

Fonte: Jornal da Madeira