Em 400 jovens atendidos na consulta de psicologia do Centro de Saúde do Bom Jesus, 200 apresentam um quadro depressivo e ansioso. A depressão é real mas, por vezes, silenciosa. Uma realidade que preocupa e que exige cuidados.

A depressão é já considerada a doença do século, e se um dia foi considerada assunto tabu, hoje é cada vez mais necessário falar sobre ela para combate-la. Metade dos jovens que são atendidos anualmente na consulta do adolescente do Centro de Saúde do Bom Jesus apresenta problemas depressivos e ansiosos. São números específicos, que não devem ser generalizados nem a todo o concelho do Funchal, nem a toda a ilha, mas que preocupam, por dizerem muito sobre aquilo que se passa na faixa etária dos jovens entre os 12 e os 21 anos na Região.

O indicador de 50%, avançado ao JM por Carlos Mendonça, coordenador da Unidade de Psicologia do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM), abrange jovens provenientes de toda a ilha a dar entrada nesta consulta específica, sendo representativo daquilo que se verifica na Região, ainda que o número possa variar entre os diferentes concelhos, devido a vários fatores como a dimensão do meio, o horário escolar e o acompanhamento da família.

A depressão atinge hoje um número considerável e preocupante, muitas vezes originado por problemas de ansiedade relacionados com a escola e preocupação com o futuro, que é cada vez mais incerto para os jovens.

Note-se, contudo, que os transtornos mentais, quer ao nível psicológico como ao nível psiquiátrico, não escolhem idades. Não escolhem género ou situação profissional. Em qualquer que seja a situação, a intervenção rápida e adequada irá ditar a dimensão da doença e o impacto que terá em cada caso específico.

O psicólogo do SESARAM refere que na dimensão dos problemas relacionados com a saúde mental, a Região está dentro do que se regista ao nível nacional e mundial. Refere que a procura por acompanhamento psicológico no serviço público se mantém consolidada há cerca de 12 anos na Madeira, altura em que “as pessoas passaram a ficar mais esclarecidas e começaram a perder o preconceito de pedir ajuda”.

No âmbito específico, as questões que admite que possam vir a piorar com o tempo prendem-se com quadros de ansiedade, depressão e 'burnout'. Este último, o popularmente designado 'esgotamento' devido ao desgaste ligado ao trabalho, passou a ser certificado recentemente como doença e é algo que tende a ser cada vez mais frequente e irá dar origem a muitas baixas médicas. “Quem está em 'burnout' não consegue desempenhar o seu trabalho, e isto é algo que as chefias e empregadores têm de ter cuidado, privilegiando locais de trabalho agradáveis, com rotinas saudáveis e horários de trabalho adequados, permitindo o descanso a que a lei obriga que se tenha”, explica, acrescentando que um indivíduo que não tenha boas condições de trabalho irá acabar por estar presente sem ser capaz de produzir.

A tendência ao nível da saúde mental não irá melhorar se as pessoas não derem prioridade ao cuidar de si próprias, tendo uma má gestão do seu dia a dia, dos seus comportamentos de saúde e se estiverem expostas a elevados níveis de stress. Segundo Carlos Mendonça, é importante que as pessoas tentem gerir o seu comportamento da melhor forma, privilegiando, por exemplo, o tempo com a família e amigos, as horas de sono, o exercício físico e o intervalo para as refeições. No fundo, tendo em conta que o mundo corre num ritmo cada vez mais acelerado, é importante nunca esquecer de priorizar o descanso, o lazer e tudo o que é necessário, ao nível pessoal, para melhorar a qualidade de vida. Destaca a importância de reduzir consumos excessivos, como o álcool e o tabaco, e o grande problema que é o ato de se automedicar.

Perturbações mentais são sofridas em silêncio

Dados atualizados, que estimam que uma em cada cinco pessoas já tenha tido algum problema relacionado com a saúde mental, indicam que as alterações ou perturbações desta natureza têm alguma prevalência, para além de impactos muito significativos ao nível individual, social e económico, refere o presidente da Delegação Regional da Madeira da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Renato Gomes de Carvalho. Muitas vezes, o sofrimento é silencioso, mas existe, e não atinge apenas indivíduos que estejam envolvidos numa questão de sofrimento individual, ou a passar por uma má fase ao nível social, familiar, económico ou financeiro.

“Todas as organizações internacionais são unânimes e é a própria ONU que identifica este como um dos desafios do milénio. A incerteza, a imprevisibilidade, as transformações e os desafios permanentes que se colocam às pessoas atualmente fazem com que a saúde mental e o bem-estar mereçam a nossa melhor atenção, desde logo ao nível individual”, acrescenta o presidente, sublinhando que “da mesma maneira que cuidamos da nossa higiene física, temos também de tratar da nossa higiene mental”, não desvalorizando potenciais dificuldades que sintamos, sobretudo quando elas são intensas ou se tornam frequentes ou duradouras.

No centro das políticas públicas

Renato Carvalho defende que as questões da esfera da saúde mental devem estar no centro das políticas públicas. “Se sabemos que as determinantes da saúde mental de todos nós remetem para a qualidade dos locais de trabalho, das vivências na escola, na família, no bairro ou na comunidade, então temos de olhar para essas áreas e para o seu papel na saúde mental”, explica, acrescentando que “muitas vezes pensamos que a saúde mental é uma questão de ausência de doença, ou uma tarefa exclusiva de serviços de saúde, mas na verdade é um assunto mais amplo”.

Diz ainda que, devido à existência de mais serviços em vários contextos como a saúde, educação e trabalho, as pessoas têm um acesso cada vez mais facilitado a serviços de psicologia. A dificuldade verifica-se em dar resposta à crescente procura por estes serviços, o que “faz com que se coloquem desafios à forma de organização do serviço prestado aos cidadãos, de forma a ir ao encontro das suas necessidades”.

Há serviços que carecem de profissionais

Questionado pelo Jornal sobre se o Sistema Regional de Saúde está preparado para dar resposta à procura por acompanhamento psicológico, e sem avançar com números, o presidente da Delegação Regional da OPP refere que a Madeira tem um rácio de psicólogos por utente que é mais favorável do que em outras regiões do País, o que “é de assinalar”.

Sustenta, dizendo que os desafios que se colocam no sistema público “vão além de dizermos que faltam ou não psicólogos”, reconhecendo, contudo, que “apesar do rácio e da preocupação em dotar o sistema de mais profissionais, há serviços, quer nos cuidados primários, quer nos serviços hospitalares, cujas solicitações são muito elevadas, incluindo até de fora do sistema de saúde, e que, portanto, carecem de mais profissionais”.

O SESARAM conta, atualmente, com 60 psicólogos. Neste momento, está aberto o concurso para preencher duas vagas na área da psicologia, sendo esperado que no próximo ano possam ser admitidos outros três.

Isto não só para dar resposta às listas de espera para consultas no sistema público, que são consideráveis, como também para desenvolver ações, por exemplo, em escolas, apostando na prevenção para problemas relacionados com as esfera da saúde mental.

No Dia Nacional do Psicólogo, que se assinala hoje, mais do que dotar o serviço de mais psicólogos, a Ordem dos Psicólogos Portugueses considera necessário pensar nas condições de trabalho, para que os profissionais que já estão a exercer possam prestar um serviço cada vez melhor. A entidade pede uma aposta contínua na formação, intervisão e supervisão, desenvolvimento pessoal, gestão de solicitações, motivação e mecanismos de otimização técnica.

Catarina Gouveia

In “JM-Madeira”