Negligência é a problemática que mais vezes aparece na Região

 

O número de crianças abrangidas em casos de violência atinge quase 70 mil por ano, em todo o País, segundo os últimos dados relativos a 2017. No mesmo ano, na Região, foram sinalizados 1.628 casos, sendo que, nos últimos anos, estes têm vindo a diminuir gradualmente.

Relativamente a 2018, ainda em fase de recolha de dados, o volume processual chegava aos 1.550.

 

O tema da violência contra menores foi ontem abordado nos estúdios da rádio 88.8 JM FM, no âmbito da campanha lançada pela Secretaria Regional da Inclusão e Assuntos Sociais, numa conversa que juntou Ana Lúcia Lopes, da Equipa Multidisciplinar de Apoio aos Tribunais (EMAT), e Carolina Pinho, da coordenação da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ).

 

Com um trabalho ao nível da prevenção e da proteção, existem Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em todos os concelhos da Região”, começa por referir Carolina Pinho, que pinta o quadro da problemática na Madeira: “Em 2017, ao nível regional, tivemos 1.628 processos. Em 2018, estamos ainda na fase de recolha de dados, mas temos uma diminuição na ordem dos 78 processos, num volume processual de 1.550 processos”.

 

“Convém referir que deste total de processos, cerca de 42% transitam de anos anteriores”, ressalva, de seguida. “Foram instaurados em 2018 na ordem dos 44,1%, o que corresponde a 688 processos, e foram reabertos 213 processos”.

 

Ana Lúcia Lopes frisa, por seu turno, que “a violência exercida sobre as crianças não é apenas por exposição à violência doméstica”, ainda que a maioria dos casos aconteça no seio familiar. “Temos verificado que a maioria dos problemas e fragilidades que são identificadas advêm do exercício do papel parental, do funcionamento da família, e muitas vezes os problemas surgem no contexto familiar da criança”, contextualiza.

 

“Vários fatores podem contribuir para uma situação de violência e perigo para uma criança ou jovem”, explica Ana Lúcia Lopes. “Podem ser fatores de ordem material, de saúde mental dos progenitores, comportamentos aditivos por droga ou consumo de álcool…”, enumera, referindo que algumas características das próprias crianças podem deixá-las “ainda mais vulneráveis”, como as portadoras de deficiência.

 

A negligência é a problemática que mais vezes aparece na Região. “Tem a ver com a falta de cuidados básicos que são prestados às crianças, o que muitas vezes é difícil de ser avaliado, porque vivemos numa sociedade em que ainda se normalizam alguns comportamentos, mas a negligência é um mau trato grave, que pode ter consequências no desenvolvimento da criança”, diz Ana Lúcia Lopes.

 

Inibição do poder paternal é medida de “último recurso”

 

Conscientes daquela que é, muitas vezes, uma das principais preocupações em casos de negligência ou maus tratos a menores, Carolina Pinho e Ana Lúcia Lopes sublinham que a inibição do poder paternal é uma medida prevista apenas em último caso.

 

“Nós apostamos efetivamente no trabalho com a família”, assegura Ana Lúcia Lopes. “Quando uma situação é sinalizada, não se pondera a inibição do poder paternal. Essa é uma medida que não se coloca nos processos de promoção e proteção, mas ao nível dos processos cíveis”.

 

“Um processo de promoção e proteção visa garantir a proteção da criança, e dotar as famílias das condições necessárias para que o problema que motivou essa sinalização seja ultrapassado”, explica ainda. “A lei prevê várias medidas de promoção e proteção, e a mais utilizada é uma medida de apoio junto dos pais”.

 

Apenas na última das medidas se prevê a inibição, quando há toda uma intervenção esgotada, e o tribunal confia a criança para adoção, referem.

 

“Só nessas situações, com a aplicação de uma medida de adoção é que há inibição do poder paternal.

 

Mas essa é a última das medidas, e a lei prevê a prevalência das famílias, preferencialmente a família de origem, mas também prevê o direito da criança a uma família. Se não for a sua, será uma família substitutiva”.

 

“A sinalização é um dever cívico”, reforça Carolina Pinho. “Quer as entidades, quer ao nível pessoal, desde que tenhamos conhecimento de situações que coloquem em perigo a vida da criança, temos obrigação de as sinalizar”.

 

 

 

Quando as crianças sofrem de violência…

 

O século XX foi considerado o Século da Criança. Isto por ter sido naquele período de tempo que se formalizaram e instituíram os direitos fundamentais de proteção à infância, reconhecendo que a sua imaturidade natural que o processo de desenvolvimento humano impõe, exige uma proteção legal e social adequada.

 

A Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, estabelece no artigo 3.º, que: “em todas as medidas referentes às crianças (…) atender-se-á primordialmente ao superior interesse da criança”. Este princípio está consagrado na legislação Portuguesa desde 1999, lançando as bases do Sistema Nacional de Proteção à Infância e Juventude, que inclui, desde os pais, as instituições com competência em matéria de infância e juventude, as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), Tribunais e os cidadãos em geral.

 

A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Lei nº.147/99, de 1 de setembro, na sua atual redação (com as alterações pela Lei 31/2003, e pela Lei 142/2015,) estabelece (no artigo 3.º, n.º 1 da Lei de 1999) que a intervenção do Estado tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e jovens em situação de perigo, e tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto, ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou jovem, sem que aqueles que são por eles responsáveis, não se oponham de modo adequado a removê-lo.

 

Dos direitos das crianças, destaca-se o direito à sua inclusão numa família que lhe proporcione afetos, segurança e cuidados adequados, possibilitando o desenvolvimento saudável e pleno das suas capacidades.

 

VIOLÊNCIA ACARRETA SOFRIMENTOS

 

Contudo, é muitas das vezes no interior da família que a violência contra as crianças ocorre, e é exercida pelas pessoas de quem elas mais amam e de quem mais esperam ou aspiram receber os cuidados e afetos de que necessitam para construir a sua identidade e desenvolver o seu potencial físico, intelectual, emocional, social, sexual e moral de forma positiva – tornando-se, por isso, a violência sobre as crianças e jovens particularmente gravosa.

 

A violência sobre as crianças e jovens pode ser exercida sob diversas formas: violência física, psicológica, emocional; sexual, exposição à violência entre os pais ou entre pessoas com quem vivam e dependam, entre outras. Para além da gravidade acrescida, devida à sua vulnerabilidade própria da sua condição de criança/jovem, a violência múltipla (mais do que uma forma de violência) e a sua persistência ao longo do tempo, agravam o sofrimento e consolidam os seus efeitos. Nas famílias multi-violentas a investigação mostra que a agressão tende a tornar-se um padrão de relacionamento considerado normal, aumentando muitas vezes em intensidade e frequência.

 

As crianças/jovens com deficiência, pela sua dependência dos cuidados de alguém, pelas dificuldades de comunicação e isolamento a que estão mais sujeitas/os, ficam mais vulneráveis ao risco de vitimização.

 

Cada ato violento para uma criança/ jovem representa uma violação e desrespeito pelos seus direitos, dignidade e segurança, colocando-a numa situação de perigo e hipotecando o seu desenvolvimento e o seu futuro.

 

ATUAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RISCO/PERIGO

 

Perante uma criança em risco/perigo, a intervenção terá de ser imediata e concentrar-se na remoção deste mesmo risco/perigo.

 

Qualquer cidadão, no seu exercício da cidadania, deve sinalizar/denunciar a situação.

 

Sendo os maus tratos a crianças e jovens um “crime público”, uma denúncia é suficiente para iniciar o Processo de avaliação da situação pelas entidades competentes, para agir tendo por princípio-base “O superior Interesse da Criança”.

 

COMO PROTEGER?

 

As Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), são instituições não judiciárias criadas com o objetivo de promover os direitos das crianças e jovens, atuar na prevenção das situações que afetam o seu normal desenvolvimento e na proteção das que se encontram em perigo.

 

Assim, a sinalização de uma criança ou jovem em perigo pode ser feita junto da CPCJ da área de residência da criança ou jovem, encontrando-se estas CPCJ, desde 2003, implantadas em todos os concelhos da Região Autónoma da Madeira.

 

Respeitando o princípio da subsidiariedade (art.4.º da Lei de Proteção) a sinalização/ intervenção pode também ser feita junto de outras entidades com competências em matéria de infância e juventude, como sejam:

 

 - Ministério Público

 

- PSP

 

- Polícia Judiciária

 

- Serviço de saúde

 

- Serviços de Ação Social

 

- Escola

 

Cada uma destas entidades articula entre si e com as demais entidades necessárias à avaliação da situação, à prevenção da vitimização e à proteção e promoção dos direitos das crianças/jovens.

 

COMO SINALIZAR?

 

A sinalização de maus tratos junto de algum dos serviços referidos, pode ser feita de forma presencial (expondo verbalmente a situação) ou por escrito, podendo fazê-lo de forma anónima ou assumindo a identidade de autor(a) da denúncia.

 

Da análise dos dados das CPCJ da RAM, constata-se que no ano 2018 o volume global foi de 1.550 processos (no ano de 2017 foram 1.628).

 

A avaliação das situações sinalizadas no decurso do ano identifica como problemáticas mais reportadas:

 

• a negligência (436 identificações),

 

• os comportamentos de perigo na infância e juventude (211);

 

• situação em que está em causa o direito à educação (152) e

 

• a exposição à violência doméstica (com 118 situações)

 

Estes números demonstram a necessidade de uma ação coerente com a afirmação que hoje fazemos: “As crianças são o Futuro”.

 

PORQUE AS CRIANÇAS E JOVENS DA MADEIRA MERECEM E PRECISAM DE SER AMADOS TODOS OS DIAS

 

E PORQUE AINDA MUITAS CRIANÇAS E JOVENS NÃO O SÃO, A CAMPANHA “NÃO À VIOLÊNCIA” CONTINUA A SER NECESSÁRIA.

 

Marco Milho

 

In “JM-Madeira”