Dizem as estatísticas que um em cada cinco adolescentes vai sofrer de doença mental”. A informação foi revelada ontem pelo diretor gerente do Centro de Reabilitação Psicopedagógica da Sagrada Famílias (CRPSF), Bruno Freitas.

Perante uma sala lotada e sob o tema '[Re]pensar a Saúde Mental… desafios?', as primeiras Jornadas de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, organizadas pelo CRPSF, decorreram na manhã de ontem no Hotel Meliã Madeira Mare.

Bruno Freitas comunicou aos presentes que as despesas assistenciais às perturbações psiquiátricas e consequente diminuição de produtividade são fatores com “um enorme impacto económico” nos orçamentos públicos, podendo atingir cerca de 20% de todos os custos da Saúde.

Utilizou este dado para ilustrar a relevância que as políticas de saúde mental devem ter, no contexto da Saúde.

Frisando a carga social negativa associada à doença mental, o psicólogo sublinhou que esta última compromete a dignidade e a participação plena na sociedade dos que a sofrem.

Para além disso, recordou que a missão do CRPSF é a prestação de cuidados diferenciados e humanizados em saúde mental na infância, adolescência, pedopsiquiatria, multideficiência e reabilitação psicopedagógica com qualidade, eficiência, respeito pela individualidade e sensibilidade do utente.

Com o intuito de promover a reflexão sobre a doença na Região Autónoma da Madeira, o secretário regional da Saúde, Pedro Ramos, informou que em 2017 foram realizadas 4,6 milhões de colheitas de análises clínicas nos sistemas público, convencionado, privado e social. O número dividido pela população demonstra que cada cidadão fez 18 colheitas de sangue no ano passado, o que equivale a 1,5 colheita mensal. “A doença na RAM obriga a que façamos análises de 15 em 15 dias”, realçou o secretário.

Pedro Ramos relembrou que as perturbações mentais devem também ser denunciadas pelos amigos, familiares e colegas dos doentes. E garantiu que a percentagem de incidência de doença mental na Região é semelhante ao resto do país.

 230 jovens institucionalizados na Região

No Centro de Reabilitação Psicopedagógico da Sagrada Família encontram-se institucionalizados 230 jovens, informou o diretor-gerente Bruno Freitas. Já o enfermeiro-chefe Gabriel Rodrigues referiu que no último ano, segundo dados que ainda não foram oficializados, cerca de 21 jovens deram entrada na instituição apresentando comportamentos autodestrutivos e N lesivos. De acordo com o profissional, famílias disfuncionais, desgostos amorosos e as redes socias foram os principais fatores relacionados com estas situações. No ano passado, o CRPSF registou 105 internamentos de jovens que tinham, em média, 15 anos e desses 18 já tinham tido um primeiro internamento. Gabriel Rodrigues sublinhou que metade dos jovens residia no Funchal, seguindo-se os municípios de Câmara de Lobos, Santa Cruz e Machico. Para além disso, 80% tinham pais separados. Os transtornos de humor foram observados na maioria dos casos, seguindo-se de transtornos delirantes e esquizotípicos, a utilização de substâncias psicoativas e perturbações emocionais na infância e adolescência.

“São jovens que vivem numa sociedade consumista e que não sabem, muitas vezes, ouvir um não”, disse o enfermeiro. E, ao não conseguirem lidar com a frustração, começam a ter pensamentos negativos. “Por vezes tem um determinado objetivo, não consegue, refugia-se e para dar resposta a isso e tenta por termo à vida”, acrescenta. Sublinha que, apesar dos comportamentos poderem ser uma chamada de atenção, devem ser encarados com seriedade.

Raparigas têm mais sintomas depressivos

O especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, José Carlos, informou que o suicídio de adolescentes em Portugal é um fenómeno particularmente raro: “As nossas taxas são à volta de 4 por 100 mil”.

Por outro lado, garantiu que os cortes e toma de medicamentos, em doses inferiores às letais, são comportamentos registados em grande número. “É um grito de ajuda para o qual os profissionais de saúde mental, escolas, familiares e amigos têm de estar muito despertos. Se não atuarmos no primeiro pedido de ajuda, a tendência é que a perigosidade e a frequência dos comportamentos aumentem”, explica.

Acrescentou que os estudos demonstram que as raparigas têm mais comportamentos suicidários, mais sintomas depressivos, menos autoconceito e menos bem-estar. José Carlos alertou os pais para que estejam informados sobre a interação dos filhos com os jogos virtuais. “A Baleia Azul, que eu me recuso a chamar um jogo, é um contrato de submissão entre alguém que assume o domínio e alguém com algumas vulnerabilidades que leva cumprir tarefas que em última instancia levam ao suicídio”. E recomentou precaução para a série da Netflix '13 Reasons Why', que conta a história de uma adolescente que se suicida e deixa 13 cassetes com os possíveis motivos para o ato. “Um adolescente que vê aquilo pode pensar que alguém que se suicida é um herói”, afiançou.

Deixou ainda a seguinte mensagem: “Alguém que se suicida não é um herói, alguém que se suicida não tem coragem, alguém que se suicida é alguém que na maior parte das vezes tem uma doença mental, que está num extremo sofrimento psicológico e, portanto, não é uma opção livre da pessoa. Suicida-se porque não encontra saída para o sofrimento que tem”.

Conclui, referindo que a série, quando vista sob a supervisão de um adulto, pode promover a discussão com o adolescente sobre este tema de forma a aumentar as suas estratégias perante o sofrimento.

Cláudia Ornelas

In “JM-Madeira