A exposição ao fumo ambiental do tabaco (ou fumo passivo) é particularmente nociva para os grupos de indivíduos mais suscetíveis como: as crianças, os asmáticos, as pessoas com insuficiência respiratória e as mulheres grávidas (USDHHS, 2006).

As crianças e os recém-nascidos são particularmente vulneráveis aos efeitos perniciosos do FAT uma vez que o seu corpo, ainda em formação, apresenta um menor desenvolvimento das vias aéreas superiores/inferiores e um sistema imunitário mais deficitário. Por estes motivos estão mais predispostos a contrair doenças relacionadas com a exposição ao FAT (USDHHS, 2006; Pestana et al., 2006).

Num estudo apoiado pela OMS, estimou-se que morrem todos os anos, no mundo, mais de 600 000 indivíduos não fumadores devido à exposição passiva ao FAT e que 28,0% destas mortes ocorrem em crianças (Oberg et al., 2011).

Para além da exposição em casa, as crianças podem também estar expostas ao FAT na viatura onde costumam ser transportadas, espaço este que pode atingir níveis elevados de fumo (Oddoze et al., 1999). Os veículos motorizados são microambientes onde os passageiros podem estar expostos a elevadas concentrações de FAT se alguém fumar no seu interior (Sly et al., 2007; Jones et al., 2009).

A exposição ao FAT ocorre, na maioria dos casos, quando os pais e/ou outro convivente fumam no domicílio e/ou no carro.

Por outro lado, ao fumarem no domicílio ou no carro, junto de crianças, os pais estão involuntariamente a enviar mensagens contraditórias às que são veiculadas pelos profissionais de saúde e professores nas escolas através da educação para a saúde não formal, que veicula que o tabagismo e o FAT são prejudiciais à saúde.

A proibição de fumar no carro é um importante contributo para a desnormalização do consumo e uma forma de proteger as crianças da exposição ao FAT.

Nesse contexto, foi aplicado durante o ano letivo de 2017/2018 o programa “Domicílios e Carros sem fumo” em todas as escolas do primeiro ciclo da Região Autónoma dos Açores (RAA).

Este programa (desenvolvido pela Universidade do Minho) foi selecionado, pois trata-se de um programa multicomponente com uma dimensão para alunos, professores, pais e comunidade (Precioso, 2013) e tendo em conta que é o único programa desenvolvido em Portugal para a prevenção da exposição de crianças ao fumo ambiental do tabaco em casa e no carro, baseado no currículo escolar.

O programa foi implementado na RAA após o estabelecimento de um protocolo de colaboração entre a Universidade do Minho, Secretaria Regional da Saúde e Secretaria Regional da Educação e Cultura. Foi operacionalizado pela Direção Regional da Prevenção e Combate às Dependências em parceria com a Direção Regional da Educação.

Este é o primeiro estudo com representatividade regional a: 1) descrever a prevalência de crianças expostas ao FAT, em casa e no carro, numa amostra de crianças do final do primeiro ciclo na RAA; 2) caracterizar o comportamento tabágico, em casa e no carro, dos pais e/ou outros conviventes; 3) identificar fatores associados à exposição das crianças ao FAT em casa e no carro.

Metodologia: Estudo descritivo transversal: aplicação de um questionário de autopreenchimento a 2092 alunos do 4.º ano de escolaridade (Média de idade de aproximadamente 9,5 anos, com um mínimo de 8 e um máximo de 13 anos de idade) da RAA no ano letivo de 2017/2018.

Resultados:

Relativamente à Exposição de crianças ao fumo ambiental do tabaco (FAT) em casa verifica-se que:

  • 14,2% das mães dos alunos fuma em casa (8,8% ocasional e 5,4% diariamente) e que 21,9% dos pais fumam no domicílio (12,9% ocasional e 9,0% diariamente).
  • Em 25,6% das famílias, pelo menos uma das figuras parentais fuma em casa.
  • É de realçar que 38,4% das crianças estão expostas ao fumo ambiental do tabaco em casa, diária (15.7) ou ocasionalmente (22.7), pelo facto de pelo menos um dos conviventes, frequentemente o pai ou a mãe, fumar em casa.
  •  27,2% das crianças estão expostas, diária ou ocasionalmente, ao fumo ambiental do tabaco no carro.
  • 46,3% das crianças estão expostas ao fumo ambiental do tabaco em casa ou no carro, diária ou ocasionalmente, pelo facto de pelo menos um dos conviventes, frequentemente o pai ou a mãe, fumar em casa.

Conclusão: A exposição das crianças açorianas ao FAT é elevada. Os pais/mães fumam frequentemente em casa e no carro, o que justifica uma intervenção preventiva eficaz, que deverá ser uma prioridade de educação para a saúde, na escola e por parte dos profissionais de saúde.

Recomendações: É necessário promover a cessação tabágica junto dos pais e das mães fumadores, pois estes são a principal fonte de exposição das crianças ao fumo e os principais agentes de modelagem do seu comportamento.

Este projeto é um contributo para conhecer a realidade da exposição das crianças ao FAT e uma intervenção de âmbito escolar e comunitária para garantir o direito das crianças a respirarem ar livre de fumo do tabaco. Servirá também para reduzir o contacto visual das crianças com o comportamento de fumar, pois as crianças vêm as crianças fazem, ou seja, aprendem a fumar, vendo os adultos de referência e os pares, a fazê-lo.

José Precioso

Professor Auxiliar do Instituto de Educação da Universidade do Minho

In “Saúde Online