Em entrevista ao Expresso, Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da UP e da International Epidemological Association diz que as mulheres portuguesas fumam mais que as de outros países com desenvolvimento económico e social parecido.

Mesmo se todas deixassem agora de fumar, está já iniciado o processo patológico que desencadeará um pico de tumores no pulmão dentro de uma década

Num país com a saúde pública no centro do debate político e das preocupações sociais, 80% dos médicos de saúde pública têm mais de 55 anos. Há problemas na renovação da força de trabalho, a que se junta a deficiente formação de profissionais para esta área. Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública, da Universidade do Porto, critica os poucos recursos humanos afetos à saúde pública, que lamenta não ser olhada numa perspetiva de clínica das populações.

Este ano aumentou o número de mortes em Portugal. Há alguma ilação a tirar?

O aumento do número absoluto pode não significar nada. Temos é de perceber o denominador. Se o ano passado morreram 500 em cem mil idosos, e este ano morreram 600, o risco de morrer aumentou 20%. Mas se a proporção passa de 600 para 120 mil, o risco é exatamente o mesmo. Há duas grandes causas de morte para as populações mais vulneráveis: o muito frio e o muito calor. É completamente ridículo quando nos dizem que eram pessoas de muita idade, com várias patologias associadas e, portanto, morreram. Se considerarmos sempre que ser velho, ser doente, ser pobre é uma condição inexorável que nos leva a morrer, não estamos aqui a fazer nada.

Ser pobre é um fator de risco agravado?

É o fator de risco fundamental para tudo. Para adoecer, para morrer. Há tempos publicámos um trabalho em que mostrávamos que, independentemente de outros fatores, como ser rico, fumar, andar de carro a 200 à hora, se tivermos duas pessoas igualmente gordas e sedentárias, se uma for rica, e a outra for pobre, o rico vai durar mais tempo que o pobre. Só o tabagismo tem mais impacto em termos de risco de morrer do que a pobreza.

Qual é o papel do ISP?

Não temos funções de decisão, mas de investigação e treino de pessoas. Há coisas que não sabemos ou de que não temos ainda conhecimento suficiente para predizer ou intervir de uma forma preventiva. Mas há outras que sabemos. Por exemplo, que as mulheres em Portugal fumam mais do que noutros países com desenvolvimento económico e social parecido. Isto é verdade e ao mesmo tempo revela uma hipocrisia e uma manifestação de incompetência social sem limites.

Porquê?

Porque todos nós sabemos há anos que agora seria a altura em que as mulheres iriam estar a fumar mais e continuamos a saber que daqui a 10 ou 15 anos vamos ter o pico de mortes por cancro do pulmão nas mulheres em Portugal. Nem que hoje conseguíssemos fazer todas as mulheres pararem de fumar, uma grande porção delas já iniciou todo o processo patológico que há de fazer que daqui a uns 10 anos apareçam os tumores. Não há razão para ficar espantado. Há é a razão para, sabendo isto, ficar espantado por não se fazer nada muito mais ativo e muito mais relevante do que uns clips mais ou menos polémicos de um ponto de vista de comunicação.

Que estudos desenvolve o Instituto?

Temos trabalhado fundamental na epidemiologia perinatal. Ou seja, tentar perceber as circunstâncias que otimizam as potencialidades no momento em que se nasce. Sabemos que quanto mais protegido for o nascimento, mais protegido vai ser todo o percurso de vida. Não é determinismo no sentido genético, mas há influências muito importantes que às vezes são difíceis de ultrapassar. Hoje sabemos que as condições sociais, as relações entre as pessoas, a forma como se organiza o dia a dia, a violência interpessoal não tem só mazelas, como consequências de natureza dita psicológica. Também encontramos marcadores biológicos nessa adversidade. Dou um exemplo com um dos nossos trabalhos. Se pegarmos em meninos que seguimos ao longo de anos, em relação aos quais os pais têm uma postura disciplinarmente mais negociada, e depois comparamos com meninos cujos pais têm uma atitude disciplinar mais tensa, mais violenta, os primeiros têm muito menos sinais biológicos de inflamação do que os segundos. A saúde pública mostra isto há mais de 200 anos. O médico francês Louis Villarmé fez a lei do trabalho infantil. Na altura foi um escândalo. Os industriais do tempo — 1850 — diziam que era inaceitável que os miúdos com oito anos não fossem trabalhar. Esquecemo-nos que a nossa esperança de vida subiu muito, não por deixarmos de morrer quando somos velhos, mas por deixarmos de morrer quando somos novos. O grande ganho da sociedade portuguesa na esperança de vida é que em vez de morrermos 50 por mil no nascimento, como nos anos 60, passámos a morrer apenas três em cada mil.

Os vossos trabalhos são usados pelos poderes públicos?

São reconhecidos como relevantes. Os nossos pares citam-nos, mas desgraçadamente temos uma forma de decidir em Portugal que é pouco baseada no conhecimento e na ciência. É dramático como é pouco utilizada a ciência de qualidade que fazemos. Há um grande número de trabalhos europeus dos quais somos responsáveis, e é entristecedor vermos como as autoridades de saúde nos diferentes países utilizam essa informação, enquanto aqui nunca somos contactados.

In “Expresso