O JM falou com duas psicólogas sobre uma situação que tem levado vários madeirenses aos consultórios

 

Está presente nos nossos círculos sociais e é comprovado através dos números. Os dados mais recentes da Direção Geral de Estatística revelam que, em 2016, 652 casamentos acabaram em divórcio na Região Autónoma da Madeira.

 

O JM falou com duas psicólogas clínicas especialistas nesta área e as respostas foram consensuais: ambas têm verificado um aumento na procura de consultas por consequência após o divórcio, tanto para os filhos, como para os pais.

 

A terapeuta familiar e de casal, Sílvia Freitas, que trabalha no Gabinete de Avaliação e Intervenção Psicológica, explica que “na maior parte das vezes, os pedidos estão relacionados com uma orientação parental, para que executem este processo de uma forma adaptativa e sem danos para os filhos”.

 

E, de facto, são os filhos os que sofrem mais “alterações no seu quotidiano”, garante a psicóloga clínica Lúcia Ferreira, profissional Madeira Medical Center, acrescentando que “têm que se adaptar a uma realidade nova, que não escolheram nem puderam decidir sobre ela”.

 

E como reagem as crianças?

 

Sílvia Freitas sublinha que cada uma é diferente, assim como as suas dinâmicas parentais. Quando mais afetadas pela situação, tendem a manifestar mais instabilidade, através de alterações de comportamento como a agressividade, a revolta, o isolamento e o humor depressivo.

 

Já Lúcia Ferreira refere que “independentemente da idade, todas as crianças reagem mal à separação dos progenitores” e salienta que os filhos podem sentir “tristeza, medo, sensação de abandono” ou de culpa por as- sumirem a responsabilidade da separação. Podem também desenvolver, para além das alterações de comportamento mencionadas, outras como a teimosia e alterações no sono, apetite e rendimento escolar, informa a profissional. E mesmo que as crianças não tenham idade para compreender o que se passa, “não deixam de sentir as tensões dessa dinâmica, tornando-as mais dependentes dos pais e com mais medos”, refere Sílvia Freitas.

 

Apesar disso, Lúcia Ferreira garante que “habitualmente a puberdade e início da adolescência tenderão a ser as idades mais problemáticas”. É na altura da adolescência que “podem surgir os sentimentos de divisão na lealdade a cada progenitor, tanto pela revolta como pelo assumir de responsabilidade na proteção do progenitor mais fragilizado”, explica Sílvia Freitas.

 

CONSEQUÊNCIAS PARA UMA VIDA ADULTA

 

No caso de um divórcio conturbado, Lúcia Ferreira diz que as consequências “serão muito negativas”, podendo alastrar-se até à vida adulta, na qual se manifestam por “problemas nas relações interpessoais, ansiedade, dificuldades de confiança, baixa autoestima e agressividade”.

 

Acrescenta que “as crianças não deveriam nunca ter de decidir com qual dos progenitores querem ficar, o que infelizmente acontece muitas vezes, pois para um normal desenvolvimento emocional estas necessitam de ambos os progenitores, das suas regras, dos seus afetos, da sua companhia”. Sílvia Freitas complementa: “Estamos a falar de seres humanos nas suas maiores etapas de desenvolvimento. Estão a estruturar a sua personalidade e a sua forma de relacionar com o mundo. O divórcio atua sobre o indivíduo independentemente da sua vontade e das suas consequências.

 

Todos acontecimentos de vida são importantes para a nossa formação enquanto seres humanos, sendo crucial que uma experiência de crise familiar desta natureza seja ultrapassada de forma adaptativa”.

 

 UNIÃO CONJUGAL CONFLITUOSA

 

“Será importante perceber que manter uma união conjugal conflituosa terá muito mais consequências negativas do que uma separação saudável”, diz Sílvia Freitas, explicando que “existem muitas situações conjugais que são mantidas por medo das consequências de uma separação, que causam dificuldades para os elementos do casal e consequentemente para as crianças que são incluídas nessas dinâmicas”.

 

 “As crianças tendem a desejar e até idealizar a união dos seus progenitores na maior parte das situações. No entanto, verificamos que a necessidade de um ambiente estável é um interesse muito superior para as mesmas”, acrescenta. E “apesar da mágoa de crescer sem a presença de ambos os progenitores enquanto membros do mesmo núcleo familiar, ao se manter a cordialidade, o respeito mútuo e, sobretudo o respeito pela criança, pode-se conseguir que não fiquem sequelas do sofrimento causado pela rutura do casal”, afirma Lúcia Ferreira.

 

A terapeuta Sílvia Freitas prossegue afirmando que “estas situações só se tornam difíceis quando surge o agravamento das dificuldades de comunicação, de articulação entre os progenitores e principalmente quando os pais sobrepõem os seus conflitos e interesses pessoais ao bem-estar dos filhos”.

 

 “Tudo dependerá da forma como a criança compreende a separação dos pais e o significado que atribui. Depende também do apoio que recebe dos pais, ou de outros elementos da rede familiar, e do seu estado de saúde mental e capacidade de adaptação”, assevera.

 

INTEGRAÇÃO DE NOVOS ELEMENTOS

 

“Estamos numa era onde o modelo familiar mais comum são as famílias reconstituídas.

 

Assim sendo, não deixa de ser importante ter em consideração os cuidados na integração de novos elementos”, diz Sílvia Freitas. Acrescenta que o novo elemento deve ser incluído na vida da criança “apenas quando os progenitores tiverem noção e intenção de um relacionamento duradouro e saudável, visto que, estar a criar novos laços afetivos propensos a novas e rápidas ruturas não será exemplo de estabilidade emocional”. Deve também ser explicado à criança que essa pessoa nunca irá substituir o outro progenitor, salienta Lúcia Ferreira, informando que deve ser dado espaço e tempo à criança para assimilar as informações sem presença do terceiro, “mas permitindo o contacto entre ambos possibilitando a criação de laços entre ambos”.

 

 

 

DIVÓRCIO O que deve ser feito?

 

• MANTER AS ROTINAS;

 

• NÃO ESQUECER QUE SÃO OS RESPONSÁVEIS PRINCIPAIS PELO CUIDADO FÍSICO E

 

EMOCIONAL DOS FILHOS;

 

• OUVIR AS QUESTÕES E PREOCUPAÇÕES DO FILHO(A);

 

• GARANTIR À CRIANÇA QUE CONTINUARÃO A GOSTAR E A CUIDAR DELA;

 

• COLOCAR A MÁGOA E O ORGULHO FORA DA RELAÇÃO COM A CRIANÇA;

 

• PERMITIR VISITAS REGULARES ÀS FAMÍLIAS DE AMBAS AS PARTES.

 

O que não se deve fazer?

 

• DEIXAR A CRIANÇA SER INTERMEDIÁRIA NAS SITUAÇÕES DOS ADULTOS;

 

• FAZER CHANTAGEM EMOCIONAL COM A CRIANÇA; • FALAR MAL DO OUTRO PROGENITOR;

 

• TENTAR COMPRAR O CARINHO DOS FILHOS(AS) COM BENS MATERIAIS.

 

 

 

“Falamos cada vez mais na residência alternada”

 

O presidente do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, Brício Araújo, explica que cada vez mais é discutida residência alternada, acrescentando que esta não deve ser falada “apenas com o intuito de fugir à prestação de alimentos”. Sobre a legislação relativa a casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, explica que “as pensões de alimentos aos filhos podem prolongar-se além dos 18 anos e até aos 25 anos, desde que seja razoável exigir ao progenitor essa obrigação”. “Eu entendo que a criança deve ter o seu espaço, aquele que sente que é o seu refúgio sagrado, mas tudo depende sempre das circunstâncias concretas de cada caso”, acrescenta o advogado. Brício Araújo confirma a existência de alguns “divórcios com registos de situações de violência, até com processos crime paralelos”, sublinhando que não “se pode exigir que alguém permaneça numa relação perante situações de violência real”.

 

Cláudia Ornelas

 

In “JM-Madeira”