Encontro Renal 2018: Paulo Ferreira (moderador), César Silva(Diaverum), Marta Temido (Instituto de Medicina Tropical), Pedro Ponce(CUF) e Jörgen Larsson (Karolinska Institutet) na discussão organizada pela Anadial com o apoio do Expresso

 

Num país em quinto lugar mundial na taxa de prevalência da doença renal crónica, uma aposta maior na prevenção é vista como a peça que falta

 

É um lugar que não enche Portugal de orgulho. Falamos da lista dos paí- ses com maior taxa de prevalência da doença renal crónica, onde Portugal ocupa o lugar cimeiro a nível europeu e o quinto à escala global. De acordo com o relatório mais recente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia (SPN), são mais de 20 mil os que já se encontram no nível mais grave, que implica uma de três terapias de substituição: hemodiálise, diálise peritoneal ou transplante renal. Com consequências sociais e económicas de relevo.

 

 “Se já celebramos o Dia Mundial do Rim, em Portugal, é preciso um dia mundial do rim direito e outro do esquerdo, para despertar mais as atenções.” Quem o diz é Fernando Neves, presidente do colégio de nefrologia da Ordem dos Médicos, para quem a prevenção está no topo dos problemas e continua a ser o pecado original sem resolução à vista. “Aí estamos mal”, garante. “Mas em termos de tratamento não temos que nos envergonhar com nada.” Portugal é “comparável aos países mais desenvolvidos”, garante o presidente da direção nacional da Associação Portuguesa de Insuficientes Renais (APIR), José Miguel Correia, com uma taxa de mortalidade de 13,3% em hemodiálise (inferior à maioria), que tem vindo a decrescer e que se compara favoravelmente aos países com boas práticas, tal como também acontece na cobertura dos centros de diálise.

 

 “No nosso país temos uma norma da Direção-Geral da Saúde que é obrigatoriamente apresentada a todos os doentes renais crónicos” com as respetivas vantagens e desvantagens de cada opção. No tratamento de 59,2% de doentes, a hemodiálise destaca-se como principal opção, seguido do transplante renal com 38,1%, que tem também uma das taxas mais elevadas em comparação com outros países. Já a diálise peritoneal, que permite tratamento em casa, é utilizada por apenas 3,7% das pessoas por razões como “más condições em casa” segundo o presidente da SPN, Aníbal Ferreira. Se bem que para José Miguel Correia falta “um estudo exaustivo a considerar fatores socioeconómicos, de idade, sexo, ou condições logísticas”.

 

Tratamos muito. Mas mal

 

Existem várias explicações apontadas para a elevada prevalência, a começar pelo reverso da medalha das melhorias nos cuidados de saúde nas últimas décadas que contribuíram para o aumento da esperança média de vida. Dos perto de 12 mil doentes que se encontram a fazer hemodiálise, 62,46% têm mais de 65 anos, enquanto 62,3% dos que começaram a fazer em 2017 também ultrapassam essa idade. “Os doentes que tratamos agora são francamente mais velhos e com mais riscos de vida”, diz Aníbal Ferreira.

 

Por outro lado, a prevenção ainda tem muitos passos a dar, sobretudo no “controlo dos fatores e doenças de risco”, com destaque evidente para a diabetes e a hipertensão arterial. Juntas são responsáveis por 47,2% dos novos casos de doença renal crónica registados em 2017 (mais de 2300) em Portugal. “Tratamos muito, mas tratamos mal as doenças que levam à doença renal”, na opinião do presidente da Associação Nacional de Centros de Diálise, Jaime Tavares. “O nosso número de doentes prevalentes é muito alto quando comparado com outros países”, considera. Mais precisamente, à volta de “1700 doentes por cada milhão e em Espanha são 1200 por cada milhão”. Se bem que Aníbal Ferreira considera que os valores de 2017 mostram “um número de doentes a estabilizar e com perspetivas de diminuir.”

 

É algo que “devia começar nos cuidados primários” e com mais eficácia se a cobertura pública na área da nefrologia fosse mais bem organizada territorialmente, garante Fernando Neves. Como pontapé de saída “podíamos começar por um médico de família para cada pessoa”. De acordo com José Miguel Correia, a “APIR também contribui para a prevenção da doença renal realizando regularmente em todo o país rastreios aos principais fatores de risco”. Jaime Tavares confirma, por exemplo, que os centros estariam “muito abertos a abordar” a possibilidade de colocar a sua capacidade operacional ao serviço dos esforços de prevenção e sensibilização das populações.

 

Todos os intervenientes defendem que se trata de uma responsabilidade que pode e deve ser igualmente compartilhada pelas clínicas privadas — onde perto de 90% dos doentes fazem os seus tratamentos de hemodiálise — que dominam a área e o território em Portugal, fruto de uma opção histórica “de um Estado com poucos recursos na altura” e que ao invés de “construir uma casa, aceitou um apartamento de chave na mão”, lembra Fernando Neves. Relação que se foi estreitando numa lógica de integração e convenções até aos dias de hoje.

 

No caminho para os tempos mais próximos e sempre a pensar na sustentabilidade, a diálise peritoneal pode ser um fator importante para alargar o espectro de tratamento, dar mais independência aos doentes e diminuir custos. É uma das ambições de Aníbal Ferreira, assim como “aumentar a longevidade dos doentes em diálise e transplante”, ao passo que José Miguel Correia chama a atenção para “a melhoria das condições de transporte de doentes hemodialisados”, um “fator de saúde pública de que pouco se fala”.

 

COMUNHÃO DE VALORES PARA O FUTURO

 

O panorama do tratamento renal (e cuidados de saúde) esteve em discussão e ficou uma ideia: “Saúde devia ser paga por resultados médicos”

 

César Silva não tem dúvidas: “É preciso uma completa mudança de paradigma na forma como a saúde é dirigida.” Para o diretor-geral da Diaverum trata-se de algo óbvio quando as pressões económicas e sociais sobre o Serviço Nacional de Saúde aumentam a cada instante. A adaptação do modelo foi o principal tema da mesa redonda — organizada pela Anadial com apoio do Expresso — realizada no Encontro Renal 2018, em Vilamoura. E que importa discutir quando “sabemos pouco ou nada sobre os custos em que incorremos” a longo prazo, garante Marta Temido, apesar de no campo da doença renal já existir uma “aproximação tímida” a estes princípios, segundo a antiga presidente da Administração Central do Sistema de Saúde.

 

Dá pelo nome de preço compreensivo e, de acordo com o “Diário da República”, inclui “o preço global por semana e por doente hemodialisado, abrangendo todos os encargos relativos diretamente às sessões de diálise”. É o resultado de uma convenção entre Estado e prestadores de serviços implementado em 2008 de forma a uniformizar um sector que, “por razões históricas”, está na sua maioria nas mãos dos privados. A opção por um sistema misto para responder a novas necessidades “deve chamar mais cuidados”, sobretudo quando se criam “possibilidades de tratamento mais doméstico”, lembra Jörgen Larsson, do Karolinska Institutet, na Suécia.

 

Se Portugal se pode “orgulhar dos níveis de tratamento renal” que o colocam “entre os melhores países do mundo”, diz César Silva, também é certo que há medidas a tomar para que o valor acrescentado não seja só um chavão. “A saúde não devia ser paga por cuidados médicos, mas por resultados médicos”, atira. Já para Pedro Ponce, o “modelo é fascinante” só que nunca foi realmente aplicado. O especialista em nefrologia fala de um “grande caminho por percorrer” para “maximizar o valor para os doentes e para todos”.

 

Este percurso que pode passar pela criação de “uma infraestrutura básica de dados comparáveis para depois apostar na investigação”, por exemplo, avançou o presidente da Administração Regional de Saúde do Algarve, Paulo Morgado. No fundo, para Pedro Ponce, “é a comunhão de valores que temos de trabalhar”

 

O Expresso associou-se à Anadial para debater as doenças renais em Portugal, apoiando também o simpósio que se realizou no Encontro Renal, em Vilamoura

 

 

Tiago Oliveira

 

In “Expresso”