Entrevista: Paula Freitas

 

Em entrevista ao nosso jornal, Paula Freitas, assistente hospitalar do Serviço de Endocrinologia do Centro Hospitalar de São João e professora auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO) fala da situação portuguesa e dos recursos disponíveis para tratar o problema.

 

De acordo com dados de um estudo realizado por investigadores do Instituto de Saúde Pública e da Unidade de Epidemiologia, do Instituto de Saúde Pública da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação, pertencentes à Universidade do Porto a prevalência nacional de obesidade é de 22,3%, superior à anteriormente divulgada pelo Eurostat em outubro de 2016 e relativa a 2014, e referente a uma população adulta com mais de 18 anos, em que esta prevalência era de 16,6% (sendo 15,3% nos homens e 17,8% nas mulheres). Um problema de saúde pública, mais prevalente nas mulheres e que aumenta com a idade e com o menor nível educacional. Já a prevalência da pré-obesidade a nível nacional é de 34,8%, sendo mais elevada nos homens. De acordo com os dados obtidos, quase 18% das crianças e 24% dos adolescentes tinham pré-obesidade. A prevalência nacional de obesidade abdominal nos adultos (perímetro da cintura aumentado) foi de 50,5%, particularmente maior nos idosos (80,2%).

 

Passa, amiúde, a ideia de que os nossos jovens são mais obesos do que os demais jovens da Europa Ocidental. É mesmo assim?

 

Sim, a obesidade infantil é um problema em Portugal. De acordo com um estudo recente da Associação Portuguesa Contra a Obesidade Infantil (APCOI), 28,5% das crianças em Portugal entre os 2 e os 10 anos têm excesso de peso e 12,7% são obesas. Nas economias mais desenvolvidas, a prevalência da obesidade infantil duplicou e em alguns casos triplicou, do fim dos anos 70 até ao fim do século passado, sendo esta prevalência mais elevada nas famílias mais desfavorecidas. A prevalência mais elevada de obesidade infantil na Europa é encontrada em diversos países do sul da Europa, isto é, verifica-se um gradiente Norte -Sul. A Child Obesity Surveillance Initiative que faz a supervisão da obesidade nos países europeus, mostrou que a prevalência de excesso de peso e obesidade nas crianças com idades entre 7 e 8 anos varia de 15% na Noruega a 36% na Itália.

 

Como explicar o fenómeno?

 

Este gradiente acentuado entre o norte e o sul da Europa foi encontrado em vários estudos, e as razões disto não estão totalmente esclarecidas, embora fatores genéticos possam desempenhar algum papel. No entanto, em todos os países da Europa houve um aumento acentuado da prevalência da obesidade nas últimas décadas, indicando que todas as crianças estão expostas a algum grau de risco. Os rendimentos familiares da criança pode ser uma variável importante, possivelmente mediada pelos fatores alimentares relativos à alimentação materna durante a gravidez, ou a amamentação tanto materna como artificial, assim como a qualidade da alimentação durante a infância. De facto, o grau da desigualdade social também parece desempenhar um papel importante. Ou seja, as crianças nos grupos socioeconómicos mais baixos tendem a ter prevalências de excesso de peso e obesidade mais elevadas. Quanto maior a desigualdade em um país, maior a prevalência da obesidade. Além destes aspetos, também todos os fatores que estão associadas à obesidade do adulto estão relacionados com a obesidade infantil. Mas, provavelmente na criança, os grandes determinantes (excetuando as causas genéticos e endócrinas, que são raras), são a má alimentação e o sedentarismo. O enorme número de horas despendidas a ver TV, videojogos, ipads, estar no computador, entre outros. Existem já vários programas de combate à obesidade infantil mas consideramos que se deve apostar ainda mais na educação para a saúde desde muito cedo. As crianças normalmente são mais recetivas à mudança. Mas obviamente o combate à obesidade infantil tem de envolver a escola, os professores e o mais determinante é seguramente a educação dos pais.

 

Que outros fatores que influenciam a obesidade?

 

Várias teorias foram invocadas para explicar o aumento da obesidade ao longo das décadas, desde alterações no microbioma intestinal, disruptores endócrinos no ambiente e na cadeia alimentar, polimorfismos genéticos, etc. No entanto, os grandes promotores da obesidade, na sociedade atual são o estilo de vida moderno associado a um aumento do consumo e diminuição do dispêndio energético. A disponibilidade alimentar é uma constante, e as tecnologias no trabalho, na diversão e na ocupação de tempos livres estão associadas ao sedentarismo. De notar que cerca de 5 a 10% das causas de obesidade são doenças endócrinas tratáveis, e, menos frequentemente, causas genéticas. E cerca de 90 a 95% das causas de obesidade estão relacionadas com fatores externos (estilo de vida – sedentarismo, inatividade física e má prática alimentar), o que se denomina obesidade exógena. Há ainda que considerar a influência dos fatores psicológicos, socioeconómicos, aspetos de urbanização, sistema de transportes, aspetos culturais, industria alimentar, meios de comunicação social e publicidade na prevalência da obesidade. Dentro dos fatores psicológicos e de uma forma muito redutora, podemos considerar que alguns casos de obesidade podem ser reativos ao stress, a acontecimentos adversos e à depressão. As pessoas podem consumir alimentos de uma forma desregulada e de uma forma compulsiva em reação a um determinado acontecimento adverso. Ou seja, também os fatores psicológicos se revestem de primordial importância na etiologia da obesidade.

 

Qual é, em concreto, o panorama da obesidade em Portugal?

 

A obesidade constitui um grave problema de saúde em Portugal e no Mundo dado que atingiu proporções de pandemia, com mais de 1,9 biliões de adultos com excesso de peso (IMC> 25 kg/m2) e mais de 600 milhões de pessoas com obesidade (IMC> 30 kg/m2). Todos os continentes são atingidos e também tem vindo a aumentar nos países em desenvolvimento e nos países em transição nutricional, ou seja, naqueles que previamente tinham um predomínio de desnutrição e estão a transitar para o excesso ponderal e obesidade e onde as duas entidades podem coexistir. Infelizmente a prevalência da Obesidade tem vindo a aumentar em Portugal. Os dados mais recentes da prevalência de obesidade em Portugal foram apresentados no 21º Congresso Português de Obesidade da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, que decorreu em Aveiro. O estudo que analisa a realidade nacional entre 2015 e 2016 foi apresentado pela Doutora Andreia Oliveira do Instituto de Saúde Pública e contou com a participação também da Unidade de Epidemiologia, do Instituto de Saúde Pública da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação, pertencentes à Universidade do Porto. Os resultados foram que a prevalência nacional de obesidade é de 22,3%, superior à anteriormente divulgada pelo Eurostat em outubro de 2016 e relativa a 2014, e referente a uma população adulta com mais de 18 anos, em que esta prevalência era de 16,6% (sendo 15,3% nos homens e 17,8% nas mulheres). Também a prevalência de obesidade era mais elevada nas mulheres, aumentava com a idade e com o menor nível educacional. A prevalência da pré-obesidade a nível nacional era de 34,8%, mais elevada nos homens, e quase 18% das crianças e 24% dos adolescentes tinham pré-obesidade. A prevalência nacional de obesidade abdominal nos adultos (perímetro da cintura aumentado) era de 50,5%, particularmente maior nos idosos (80,2%). De realçar que esta obesidade abdominal é aquela que é mais deletéria do ponto de vista metabólico e cardiovascular, ou seja, está associada a doenças como diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia, doença coronária, enfarte do miocárdio, etc. A conclusão deste estudo foi assustadora – quase 60% da população portuguesa tem obesidade ou pré-obesidade doença esta que está associada ao desenvolvimento prematuro de uma série de doenças, cancros e a uma mortalidade elevada.

 

As campanhas de prevenção não estão a funcionar. Como se explica?

 

A obesidade é uma doença crónica muito complexa e atinge todas as faixas da população. Acho que temos de fazer mais campanhas, dirigidas aos diferentes grupos etários e usar as novas tecnologias para chegar a um maior número de pessoas.

 

Quando falamos em prevenção, temos de pensar em vários níveis de prevenção: a prevenção primária, ou seja, implementar medidas de educação para a saúde de modo que a pré-obesidade e a obesidade não ocorram; a prevenção secundária e terciária, ou seja, implementar medidas para aqueles já com pré-obesidade e obesidade, para que não progridam para as formas mais graves de obesidade. Mas a par da prevenção, o tratamento da pré-obesidade e da obesidade também deve estar disponível aos doentes nos cuidados primários e as formas mais graves devem ser referenciadas para os centros hospitalares vocacionados para o tratamento da obesidade, incluindo o tratamento cirúrgico.

 

Outro aspeto muito importante é que a obesidade é uma doença crónica e como tal trata-se de forma crónica e não de forma aguda e limitada no tempo. O tratamento da obesidade é sempre um tratamento de longo prazo que requer uma intervenção multidisciplinar a longo prazo que deve incluir um plano alimentar equilibrado, prática regular de exercício ou atividade física e modificação comportamental. Quando o doente com obesidade tem um IMC [índice de massa corporal= peso (kg) / (estatura x estatura) (m)] superior a 30 Kg/m2 ou superior a 27 Kg/m2 com doenças associadas, como por exemplo, pré-diabetes, diabetes, dislipidemia, apneia do sono, entre outros, tem indicação para terapêutica com fármacos. Os casos ainda mais graves com IMC superior a 40 Kg/m2 ou 35 Kg/m2 com doenças associadas têm indicação para cirurgia da obesidade (cirurgia bariátrica ou metabólica).

 

Quais são os tratamentos disponíveis atualmente?

 

O tratamento divide-se em médico e cirúrgico. Quer o tratamento médico quer cirúrgico englobam sempre o plano alimentar equilibrado, a prática regular de exercício físico e alterações do comportamento. A terapêutica farmacológica associada a estas estratégias está indicada nos casos de doentes com índice de massa corporal (IMC) superior a 30 kg7m2 ou superior a 27Kg/m2 com doenças associadas, como, diabetes, hipertensão arterial, apneia do sono, entre outras, e para os doentes com IMC superior a 40 kg/m2 ou superior a 35 kg/m2 com doenças associadas, a terapêutica cirúrgica, como por exemplo, o bypass gástrico ou a manga gástrica.

 

O grande problema da terapêutica farmacológica é ter fármacos que sejam eficazes na redução ponderal, mas que sejam também seguros quer do ponto de vista cardiovascular, quer psiquiátrico.

 

No passado, tivemos fármacos no mercado Português e Europeu, que foram retirados por estar associados a problemas desta natureza. De facto, nos últimos anos, o arsenal farmacológico para tratamento da obesidade era muito escasso e recentemente foi introduzido um medicamento inovador no mercado, ainda não comparticipado pelo estado, que permite uma melhor resposta ao tratamento desta doença. Quero alertar as pessoas que não devem tomar qualquer medicamento para a obesidade sem prescrição médica e só devem tomar aqueles que esteja comprovado cientificamente a sua eficácia e segurança.

 

Qual é a importância de os doentes terem à sua disposição múltiplas opções de tratamento?

 

É importante termos várias opções terapêuticas e oxalá surjam novos fármacos e novas estratégias para o tratamento da obesidade pois o problema da obesidade é muito complexo e nem todos os doentes respondem da mesma forma ao mesmo tratamento. Quantas mais soluções melhor para tentar arranjar um tratamento à medida do doente.

 

Desde maio deste ano que está disponível em Portugal uma nova opção de tratamento que promove a perda de peso. No que consiste esta técnica e quais são as implicações na vida do doente?

 

Sim, recentemente surgiu um novo fármaco para o tratamento da obesidade. Este fármaco está disponível em Portugal desde maio deste ano e é um tratamento farmacológico, de prescrição médica, que pode ser administrado sob vigilância médica a doentes com obesidade ou com pré-obesidade com doenças associadas em adição a um plano alimentar e também a conselhos sobre prática regular de exercício físico. Este novo fármaco é um análogo de uma hormona humana que é libertada em resposta à ingestão de alimentos pelas células intestinais e atua a nível central na regulação do apetite, fazendo com que a sensação de fome diminua e aumenta a sensação de satisfação e de saciedade depois da ingestão de alimentos. Estudos realizados mostram resultados positivos, com consideráveis perdas de peso e manutenção do peso perdido, ou seja, menor reganho ponderal, mesmo quando há cessação do fármaco. Nos ensaios clínicos, o liraglutido 3 mg acompanhado com uma dieta baixa em calorias e de exercício físico mostrou que, em média, os doentes com obesidade perderam 9,2% do seu peso corporal. Além disso, com a perda de peso, estes doentes conseguiram melhorias metabólicas, cardiovasculares e na apneia obstrutiva do sono, comorbilidades que se ocorrem devido à obesidade.

 

Em grande parte dos casos, a fase mais difícil para o doente é a manutenção do peso, após tratamento. Como contornar esta situação?

 

A manutenção da perda de peso é de facto um problema, porque existe sempre, em termos médios, uma tendência para o reganho ponderal, seja após a terapêutica médica quer cirúrgica. No entanto, tal não ocorre em todos os doentes. E, se o doente mantiver a dieta e o exercício físico é possível contornar o problema biológico do reganho ponderal. E como disse atrás, estudos demonstraram que há menor reganho ponderal após a cessação fármaco, comparativamente àqueles doentes que fizeram placebo.

 

Aqui há dias o parlamento reprovou uma proposta de legislação que taxava produtos com açúcar. Como avalia esta decisão?

 

A taxação de açucar, sal, refrigerantes, gorduras tem de facto algum impacto positivo que tem sido medido já em vários países. No entanto, acho que devermos educar toda a população para aprender a fazer escolhas saudáveis independentemente das taxações.

 

O apoio psicológico é um fator importante durante o tratamento?

 

Sim, é um componente essencial do tratamento em todo o espectro das opções terapêuticas. É importante, quando se opta apenas por intervenção em termos de modificação do estilo de vida (dieta e exercício), quando se está sob terapêutica farmacológica e quando de integrou um programa de tratamento cirúrgico da obesidade.

 

Em que áreas atua a SPEO?

 

A Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO) é uma sociedade cientifica que promove a divulgação e atualização do conhecimento em toda as vertentes da Obesidade, sendo, o seu auge o congresso Nacional de Obesidade que é anual e que conta com palestrantes internacionais e nacionais que investigam esta área e temos sempre uma panóplia de participantes – médicos de várias especialidades, nutricionistas, fisiologistas do exercício físico, psicólogos, etc. A SPEO tem vários Grupos de Estudo que são dinâmicos e que dão um contributo importante quer na realização do congresso, quer em investigação quer em atividades dirigidas ao público em geral. Um dos grupos de estudo produziu material educativo dirigido à população geral.

 

A SPEO também mantém contactos com a Direcção-Geral da Saúde, Centros de Saúde, com a Associação de Doentes Obesos e Ex-Obesos (ADEXO) e outras associações de doentes, com Universidades e, em geral, com todas as entidades e individualidades interessadas no tema da obesidade e com a sociedade civil e comunicação social. No ano passado, a SPEO apoiou a investigação nacional com o Prémio Jovens Investigadores que teve oportunidade de apresentar um trabalho no Congresso Europeu de Obesidadee ainda a realização do Congresso Europeu de Obesidade.

 

Uma das metas da SPEO é a Certificação de Especialistas em Obesidade. O que já foi/está a ser feito?

 

Sim já fizemos um Curso de atualização em Obesidade dirigida a médicos de Medicina Geral e Familiar. Também achamos que é de enorme relevância a formação da população em geral, pelo que também já desenvolvemos um curso dirigida a jornalistas para que mais informação tenham sobre esta doença. Pretendemos realizar mais formação de modo a desenvolver nos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos) competências específicas para a prevenção e tratamento da obesidade ao longo do ciclo de vida (idade pediátrica, adulto e idoso).

 

In “Saúde Online”