Francisco Henriques, Diretor da consulta da Unidade de Alcoologia de Lisboa

 

A Unidade de Alcoologia de Lisboa, o primeiro centro de tratamento do alcoolismo a abrir em Portugal, completa 50 anos na próxima semana. E, ao contrário do que acontece com a toxicodependência, o problema não está a diminuir.

 

O consumo está a aumentar entre as mulheres e há uma perigosa mudança de padrão entre os jovens, alerta Francisco Henriques, diretor da consulta.

 

O que mudou na relação dos portugueses com o álcool nestes 50 anos?

 

Nessa época, muitos começavam a beber ainda em criança. Isso melhorou. Há uma maior consciencialização, e a idade média de início do consumo está agora nos 16 anos.

 

Ainda assim, o consumo está a aumentar.

 

É verdade, sobretudo entre as mulheres, o que é preocupante, já que o risco de ficarem dependentes é maior. O seu metabolismo é mais vulnerável.

 

A toxicodependência está a baixar. Por que razão não acontece o mesmo com o álcool?

 

Há uma mudança de padrão. As pessoas estão a deixar de usar tanto as drogas ilícitas e voltam-se mais para o álcool. É mais barato e mais bem aceite.

 

O número de portugueses em tratamento por dependência do álcool é o mais elevado de sempre. Como se explica?

 

Estamos a detetar o problema mais cedo. Mas, embora haja muita gente em tratamento, há um número muito elevado que nunca chega a tratar-se, porque não tem consciência do problema. A dependência começa muito devagarinho.

 

Como?

 

Com a experimentação na adolescência, as pessoas descobrem que ficam mais bem-dispostas ou sentem-se mais tranquilas com álcool, e a tendência é repetir. Há pessoas que têm uma espécie de marcador que as faz parar, sem esforço, ao fim de um ou dois copos, porque não lhes apetece mais ou não ficam tão bem-dispostas. Essas não vão ter um problema de dependência. Quem o pode ter são as pessoas que não têm esse travão biológico e vão aumentando a tolerância. Ao fim de um tempo, um copo já não faz efeito, são precisos dois, e a tolerância vai subindo até haver consequências.

 

Estima-se que 300 mil portugueses têm consumos de risco. Em que é que isso se traduz?

 

A Organização Mundial da Saúde estabelece como limite uma unidade de álcool por dia no caso das mulheres e duas no caso dos homens. Nesse sentido, se uma mulher bebe, em média, três ou quatro copos, já está numa situação de abuso, o mesmo acontecendo no caso dos homens com cinco ou seis.

 

Tanto faz ser cerveja ou uísque, por exemplo?

 

Sim. A cerveja tem 4,5 graus de álcool, mas são 33 centilitros, enquanto o uísque tem 40 ou 45 graus, mas são quatro centilitros. Ou seja, o uísque é dez vezes mais forte, mas uma garrafa de cerveja tem dez vezes mais volume, portanto equivalem-se. Mas as pessoas acham que só bebem vinho bom ou só bebem cerveja, e por isso está tudo bem. Não está.

 

O que mudou no padrão de consumo dos jovens?

 

Durante muitos anos, o álcool era a forma de afirmação dos rapazes quando começavam a conviver com os homens, no café ou na taberna. Beber intensivamente nas discotecas é agora a nova forma de iniciação. É o chamado binge drinking, que passa por uma intoxicação alcoólica aguda e muito rápida.

 

É um padrão mais perigoso?

 

Penso que sim. Beber ao longo do dia, ao almoço e ao jantar, é um padrão do Sul da Europa. Mas estamos a desenvolver cada vez mais um padrão de consumo intensivo, concentrado à noite ou ao fim de semana. Durante a semana, portam-se bem, mas embriagam-se à sexta e ao sábado. Como só bebem ao fim de semana, acham que não têm nenhum problema.

 

E têm?

 

Podem ter. A questão não tem que ver com o calendário dos consumos. Tem que ver com o facto de, quando começa a beber, a pessoa não conseguir parar. E de beber apesar das consequências. Apesar de a mulher pedir para não beber, de os filhos se queixarem, de no trabalho se começar a notar, etc.

 

O alcoolismo pode aumentar?

 

É possível que haja um agravamento dos consumos. Há uma parte da população que pode desenvolver um grave problema de dependência numa idade precoce, jovens que aos 20 e poucos anos têm um consumo médio de uma garrafa de destilados por dia. Já temos casos na unidade.

 

Joana Pereira Bastos

 

In “Expresso”